UM GOLE DE IDEIAS

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.: Um Gole De Ideias :. -> Dois anos no ar!

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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Resoluções de Fim de Ano



Não vou mais ser preconceituoso com as pessoas. Menos com moto-boy. Ô, raça! Prometo gastar menos dinheiro com coisas visivelmente supérfluas. Não, perfume não é supérfluo. Garante que eu atraia as mulheres. Pesquisas científicas conceituadas afirmam que o cheiro do homem pode contribuir para um relacionamento adulto, consensual e proveitoso. Tudo bem, nada de perfumes então!

Vou perder peso. Li uma vez que os bonitos ganham dezoito por cento a mais que pessoas esteticamente menos favorecidas. Isso mesmo! Não importa sua graduação, se tem MBA ou um curso específico na área. Se for feio, está fudido e menos rico. Tudo por que o cérebro toma no mínimo onze decisões sobre uma pessoa que a gente acaba de conhecer em sete segundos. Beleza é a mais importante delas.

Vou parar de tomar remédios reguladores de humor. Não sei por que os tomo. Isso! Como não sei por que ingiro aquela quantidade exacerbada de droga tarja-preta, não preciso tomá-los. Mas tudo é tão ruim. As pessoas são ruins. O mundo é ruim. Eu sou tão ruim (Choro). Mas o futuro é promissor e cheio de esperança! Há vida! Há sonhos para se concretizar... Ou para serem frustrados! Onde está meu remédio?

Vou dedicar parte do meu tempo às causas sociais, ser mais solidário. (Tem um pedinte chato na minha porta, pedindo um pouco de comida. Que chato! Logo agora que eu estou escrevendo para o blog. Ele pode esperar. Ficou com fome até agora, pode agüentar umas horinhas!). Ser altruísta é o que há. Dizem que o cérebro de quem doa trabalha melhor e se sente mais recompensado. MERDA DE MENDIGO, FILHO DA PUTA! ESPEEERA...

Vou se mais sincero comigo mesmo. Tipo, eu não vou exigir muito de mim, já que me conheço bem. Nada de comportamentos radicais, ou seguir uma dieta macrobiótica e louca. Ou me esforçar para parecer o que eu não sou, ou fazer coisas que não me agradam. Caraca, contradisse tudo o que prometi a cima! Eu sou o pior
dos seres humanos. QUE POBRE FODA! PARA DE PEDIR COMIDA! Ah, Feliz Ano Novo!

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

UM ENCONTRO DE PECADOS


Desfilando pelo carpete vermelho do finíssimo restaurante parisiense Pecados Capitais, Luxúria ostenta toda sua volúpia e riqueza. Deparou-se com a recepcionista e ríspida questiona:

- Jeune fille, minha mesa está reservada para às 20:00 horas. Ah... espero por uma convidada, sabe se ela já se encontra no recinto?

- Hummm... deixe-me ver... Si, mademoiselle. Já se encontra a madame Gula. – Disse a subalterna de maneira sucinta e formal, fitando a agenda que continha as reservas da noite, a fim de despachar a esnobe dama.

À procura da mesa número seis, a linda dama de vermelho, em slow motion mexe no seus cabelos e caminha em passos finos pela passadeira francesa, seduzindo todos os bigodes que abundavam as mesas precedentes a de Gula. Avistando-a, olhou para a amiga, que estava com os lábios reluzentes de gordura e, a abordou “delicadamente”.

- Ah, sua rolha de poço, não disse que me esperaria para o jantar?

- Si... mas, eu estava com tanta fome que decidi me antecipar. Me acompanha neste gigot d'ageneau? Esse pernilzinho de cordeiro está uma delicia.

- Não tenho fome, ou melhor, estou de dieta. Quero muito poder usar aquela provocante fantasia no baile que está por vir. Eu estou ficando horrível!

- Você, a mais bela de todas, que provoca desejos insaciáveis a todos os homens? Me ofende com esta falsa modéstia.

- Ah, Gula! Não vem, que não tem. Até porque, a Inveja nem está presente hoje. Mas realmente eu preciso perder alguns quilinhos.

- Garçon, traga-me uma salada landaise – disse Luxúria com uma voz soprosa, denotando toda sua sensualidade, certa de que o seu pedido não demoraria mais que cinco minutos para ser entregue.

- Ah, traga um desses franguinhos castrados para mim!? Um chapon bem macio, está bem!? - Disse Gula eufórica, demonstrando toda sua necessidade alimentar.

- Pois não, mademoiselles. Peço apenas que aguardem um momento.

Gula, tocou com polidez seu ventre, percebendo o quanto distendido ele estava. Mas ainda assim, não havia saciado toda sua vontade.

- Gula, pelo visto você tem faltado as consultas com a psicóloga para dar cabo a esta necessidade insaciável por comida - Debochada, ri silente.

- E você, tem ido à sua? Vejo que sua anorexia ainda prevalece, ainda que oculte-a perante tanta fome de sexo. Enxerga-te, meretriz! - Gula contra-ataca.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Efeito consciência


Imagine se, apenas por um instante, pudéssemos voltar no tempo e mudar um fato significativo de nossas vidas, apenas um. Impedir aquele grande amigo de sair de moto, evitando o acidente que o matou naquele triste sábado, prevenir aquela tia que tanto gostava, de que talvez ela devesse fazer alguns exames, estes poderiam ter evitado que o câncer a levasse embora... Ou quem sabe mudar um fato que, para a maioria das pessoas pode parecer banal, como terminar com aquele namorado que não amava, evitando, assim, que tivesse sofrido tanto por abandoná-lo quando já era tarde, quando a situação se tornara insustentável e a fez perder a razão pela demasiada hesitação em fazer o óbvio quando era a hora certa.

Escolha difícil, não é?

Talvez seja por isso, afinal de contas, que viajar ao passado seja fisicamente impossível! Há fatos demais para serem mudados. O melhor mesmo - pondera-me a vozinha chata chamada consciência - seria aproveitar as pouquíssimas chances que a vida nos dá para repensarmos nossas atitudes, fazer o que é certo, ou então termos a coragem da qual necessitamos para consertar nossos erros antes que se transformem em finais infelizes. Mas eu, senhor do meu texto, posso muito bem escolher outro tema para discorrer, afinal, diferentemente da vida real, aqui, posso manipular o tempo, transitar entre passado e presente com um simples vaivém da caneta. Posso voltar e mudar o início, reescrever a história e criar novo final.

Mas e você, leitor de carne e osso, você pode fazer isso com sua vida? Empresto-lhe minha caneta, se quiser, mas ela não mudará nada, servirá apenas para rabiscar num papelzinho aquilo que desejas mudar. Sugiro que o faça logo, antes que o implacável futuro chegue e você se pegue sentado na cama, com uma caneta e um caderno à mão, escrevendo o que faria de diferente em sua vida, caso pudesse voltar ao passado.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Ne me quitte pas



Não... não me deixe junto das tuas coisas mortas

Perto dos outros que você já conheceu

Não quero viver a morte do que pulsa

Não me abandone...


“Esquecer as horas que o amor morre a golpes de porquês”

Não me deixe junto do teu desgosto pela vida

Há outro mundo a nos esperar com portas abertas

Não me deixe...


Essa dor me pulsa mais que sorte

É claro a cor pálida que vê a morte

Quando nos suspiros calam o delírio

Não... eu te imploro: não me deixe...


Seria possível reaver o perdido

No bilhete outra vez o pedido

Ecoando na vida, ouvido a ouvido:

Não me deixe!


E a festa clara volta escurecer

Volta a escurecer a clara festa

Clareia a festa escura e volta!

Não me deixe!


E sem você a vida corre sem direção

Sem você a vida morre sem comunhão

Você, a vida norte sem contramão


Não me deixe...


Não me deixe...


Ne me quitte pas



quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Glorioso inglório


Com o fim do campeonato brasileiro, vimos mais uma vez a hegemonia dos times paulistas e como elemento surpresa, o Flamengo sagrou-se campeão; merecidamente, diga-se de passagem. Obteve resultados bons e constantes, jogou com regularidade e no fim das contas colocou a mão na taça.

Mas este texto não nasceu para homenagear o campeão rubro-negro, e sim para criticar de forma positiva, em meu entendimento, meu time de coração: Botafogo de Futebol e Regatas! O Glorioso alvinegro! Este ano, por um triz, escapou do rebaixamento para a série B, fato que foi comemorado por nós, botafoguenses, como se fosse o título do brasileirão. Após o fim do campeonato, entretanto, me lembrei das colocações do Botafogo no campeonato brasileiro e no estadual nesses últimos anos...

Era sempre a mesma coisa, começava a taça Guanabara, 1ª fase do carioca, e especialistas, espectadores e até mesmo jogadores admitiam abertamente que o glorioso apresentava o melhor futebol do Rio de Janeiro, o “jogo bonito”, o que nos fez chegar à final do estadual nesses últimos anos, porém, de forma quase inacreditável, sempre perdemos a taça após colocarmos uma das mãos nela. No campeonato brasileiro, nem se fala, ou corremos contra o tempo pra fugir do rebaixamento, ou apenas lutamos por vagas no campeonato sul-americano.

O que não consigo entender, também, é a forma como o time deixa escapar seus jogadores de destaque, sempre aqueles que fazem a diferença! Sem voltar muito no tempo, dá pra citar alguns jogadores que, após suas saídas, o time desandou: Reinaldo, Zé Roberto, Maicosuel e mais recentemente, Jobson. Por que não conseguimos manter nossos principais jogadores quando nossos rivais o fazem? Por que tantas vezes colocamos em campo um time repleto de amadores, quando o futebol deveria ser profissional? Por que, enfim, não ganhamos um título expressivo? Parafraseando o hino do clube, tantas vezes campeão: Tu és o Glorioso, não podes perder, perder pra ninguém! Torcedores apaixonados que somos, estaremos sempre com o Botafogo onde o Botafogo estiver, na 1ª ou 2ª divisões, e principalmente, levantaremos a taça de campeão junto com os jogadores. Que tua estrela solitária te conduza rumo ao acerto, de volta ao caminho de vitórias, Fogão!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Intimidade é uma droga!

Ouviram falar de mim... da minha arrogância, do meu ar austero. Ouviram falar de mim e os que não me conhecem concordam em críticas afiadas. E eu ao menos tento ostentar com certa exatidão esse olhar de fora que me acaricia o ego.

Quantas vezes me definiram como cético, metido, ríspido, frio... Ah!, quantas vezes passei despercebido por esse monte de gente igualmente vil. Essa gente de fora, que me enche os pulmões, passa rápido a amigo e torna a duvidar.

Bastam uns excetos de intimidade que todos esses estereótipos, que a princípio me dedicam, caem logo por terra. É essa droga de intimidade! A convivência desenha aos outros alguns traços vexatórios de minha personalidade.

Mantenham a distancia e contemplem esse EU doente! Caso contrario olho pra baixo finjo que nem os vi. Que mal há em querer não ser conhecido? Mantenham o respeito por minha falta de gosto pelo sucesso também.

Prazer meu nome é ninguém, gostaria de sorver teu sorriso e dizer que não preciso. No meio do nada que se transforma em solidão embala o meu coração e não é só pra rimar. Prazer meu nome é mim mesmo e nem faço questão. Por favor liguem meu não antes que se entorpeçam por meu sorriso, e não menos preciso torno eu a dizer: a intimidade é uma droga. Dá-me um gole!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Enfermo de Amor


Esperei um, dois, vinte anos, a vida toda pelo amor e ele não veio. Tudo bem, não tinha mesmo a quem amar. Mas sinto que deixei para trás muitos minutos desperdiçados com telefonemas, scrap’s, e-mails, DR’s, beijo na boca, sexo e tudo mais. Acho que eu seria um bom amante. Alguma coisa dentro de mim me diz isso. Bem, agora não tenho mais por que me lamentar. Estou decrépito e vazio.

A única recompensa que levo dessa vida frígida e egoísta é a vantagem de ter permanecido sóbrio a maior parte do tempo. Meus amigos – que Deus os tenha em bom lugar – sabem do que eu falo. Eles caminhavam sob o efeito do amor, como suicidas cegos a caminho de um abismo sem fim. Eu, de certa forma, fui abrindo caminho, pois minha falta de amor era o próprio penhasco.

Outra coisa que podia me orgulhar em ter era minha dignidade. Dizem que “o amor é cego, mas não perdeu a dignidade”. Discordo, com veemência. Discordo, porque é por causa do amor que se mata, se morre, se mente ou se fala verdade; com veemência, por minha condição humana. Humanos amam! Onde estava minha humanidade quando precisei dela?

Sinto pesar em uma coisa, somente: deixei de me dividir em alguém. Deixei de ser o motivo das lágrimas, dos sorrisos, dos gemidos, dos orgasmos fingidos – não somos perfeitos. Deixei de ser o auxílio, o chão, a luz, o ombro para se descansar, o alguém que paga a conta – o amor é meio interesseiro. Deixei de ser o centro, a vida, o ar, a pessoa que faz suspirar.

O amor tem essa virtude: ao mesmo tempo em que é altruísta, que nos leva a doar ao outro por um motivo irracionalmente discutível, cobra uma recompensa, exige um agrado após um “eu te amo” – nem que seja um tapinha nas costas. Antes de pegar o Expresso Paraíso e dirigir-me a presença do Todo-Poderoso, para prestar minhas contas, digo pelo que morri: enfermo de amor.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A vida me pregou uma peça!


Dedico ao Alexandre, pela conversa inspiradora.


Certa vez, no alto de meus 10 anos, a vida e eu fizemos um trato: eu a levaria em frente sem reclamar e ela jamais afastaria meus amigos de mim.
Vida mentirosa!
Segui à risca minha parte, mas ela, vil que só, tirou-me os amigos.
Vê-los anualmente não era o acordo, nem mesmo mensal ou semanalmente, todos os dias, era o contrato; caso contrário não teria assinado.
Já sei, foram aquelas malditas letrinhas miúdas!
Deveria ter desconfiado, aquelas letrinhas tinham um quê de coisa desprezível.
Deixe-me conferir o que há, afinal:

O contrato será invalidado caso os amigos façam faculdade em outras cidades, arranjem namoradas ou em caso extremo, se casem!

Devia ter negociado melhor...
Quando assinei o contrato não levei em conta que meus queridos amigos fariam suas próprias escolhas, que eram donos de seus destinos, e que a danada da vida só era responsável por levá-los de um ponto ao outro, sem direito a interferência.
Dito e feito, cada qual fez faculdade numa cidade diferente, os poucos que ficaram arranjaram namorada e viveram por elas e para elas... e eu fiquei sozinho.

Puxa! Tentei controlar a vida e ela me passou a perna!
Pobre de mim, traído por meu próprio egoísmo.
Por vaidade, não posso, agora, esmorecer!
Espero, então, a morte!
Quem sabe se lembrem do velho amigo, neste momento triste, e por amizade ou mesmo piedade, venham derramar ao menos uma lágrima sobre meu caixão.

Dentro dele haverá um menininho de 10 anos que perdeu a vida porque a vida não lhe mostrou em letras garrafais que amigos seguem rumos diferentes, mas que a amizade e o amor que um dia os uniu ficarão para sempre em seus corações.

sábado, 21 de novembro de 2009

Quase um segundo

Novamente o vento revirava seu cabelo e o seu destino sólido dizia sim ao meu. Era tarde, mas aquela tarde coloria meus sentidos ao passo que seus passos alforriavam-me. O vestido ondulava em primavera e os lábios sorriam em tom maior. Aquela paz de criança dormindo deu lugar para um êxtase discreto que me acendia desejos de pele. Ah!, pulsa coração em samba. Da esperança tanta, mal sabia se restou.

Ao olhar em minha direção não tive outra reação senão calar-me de palavras e intenções. Por quase um segundo em nirvana senti-me monge tibetano para receber um milagre. As cordialidades dessa vez não ressoaram para que todos ouvissem se limitaram a precisão do olhar. Eu a cortejei e ela, linda, respondeu sutilmente fitando o chão.

Aproximando-se mais notei certa ânsia no seu olhar. Contive-me, e apreciei ferozmente a suavidade de seus movimentos. Ela pendulava os braços harmoniosamente e chegava sem pressa a minha presença. Dois passos ainda nos separam. Dois preguiçosos passos distanciam minha boca dos lábios dela.

Chegou. Ela chegou e ao invés de agarrá-la meu corpo em esfinge freou-se para passivamente retratá-la a memória presente. Eu senti a respiração calma e sua pele fresca cheirando sabonete. Talvez ela não vivesse com essa intensidade toda, a prisão moral nos enclausura em certas liberdades. Naquele instante tudo isso se rompeu e minha boca tocou a dela sem pudor nenhum, mesmo que a mente pulsasse sem querer o nosso sobrenome comum.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Análise sobre o blog

Dizem que ideia boa se copia. Bem, foi pensando nisso que apropriei a ideia coletiva de blogar de maneira diferente. Eis aqui uma análise do nosso blog e expectativas sobre ele, levando em consideração as parcas postagens do grupo “Amigos de Gole”:














quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Síndrome de Cotard*


Eu não sei o que eu ainda estou fazendo aqui. Era para eu estar enterrado ou em decomposição há muito tempo atrás, que eu me lembre. É incrível que minha família não se espante comigo, andando de lá para cá, me confundindo com um fantasma. O pior é que eles conversam comigo. Meus amigos, minha viúva ex-esposa – que até agora não se casou de novo – me cumprimentam, como se eu estivesse entre os vivos.

Vou explicar: eu morri. Não sei se me mataram ou foi por motivos naturais. Mas acontece que eu não estou mais vivo. Começou com uma dormência nas mãos. Foi subindo, subindo. Chegou ao coração e, puff, parou! Não senti dor. Até achei estranho eu ter morrido e, ao invés de um típico velório, fazerem uma comemoração do dia dos pais. Todo mundo me deu parabéns, me felicitaram. Mas eu morri!

Era difícil para eles entenderem, eu sei. Um dia desses descobri que eles podiam me ouvir. Minha família sempre foi meio esquisita, daí dizer que todos são mediúnicos, era demais. Mas não é que todos me ouviam. Finalmente disse para minha viúva ex-esposa: “Eu morri, não esta entendendo?! Morri! Arrume outro homem e seja feliz!” Ela sorriu docemente, como quando aparecia pelado na frente dela.

Eu achei que iria para o céu. Nunca acreditei em céu ou inferno. Mas se preferisse estar em algum lugar, que seja o menos quente. Não subi nem desci. Permaneci em meu lar. Não há nenhum lugar como nosso lar, mas eu estou morto. Merecia um lugar de descanso eterno melhor que minha casa. Enfim, começo a achar que eu não morri, de fato. Mas que, na verdade, eu nunca existi! Se eu penso, logo, existo... Ah, deixa isso para outro dia, estou morto mesmo!

* Delírio raro, em que o paciente acredita está morto ou não existir.

domingo, 8 de novembro de 2009

TERMOgole


Hoje pela manhã a música que ressoava era mero adorno, os mosquitos zunindo, as vizinhas ensandecidas, o lençol pinicando e a leve dor de cabeça também. Hoje o dia era todo calor, e o sol tomou mesmo posse no seu reinado que parecia eterno.

E já eram três horas da tarde quando os ponteiros apontavam para dez da manhã. Já nem tinha amanhecido e eu delirava com o frescor da noite que agora já a tenho e nem faço por sentir. Seria fragilidade ou alergia?

Na preguiça por desenvolver uma teoria mirabolante lamento-me em goles de ideias. Ideias estas que rareiam por aqui, quase seco nessa prosa encalorada. As palavras preguiçosas que me saltam aos dedos são nitidamente desapontadas.

Porém essas dores escritas, ou lamentadas se preferirem, são quase um protesto aos que endossam minha solidão literária, mas deveria ser ao sol que me deixa ainda mais impotente. Falo a quem possa me ler, ou me esfriar de desejos básicos.

Mas lá vem o natal, e toda a sua neve... pinheiros e bonecos gordos e brancos. Dá até vontade de rir. Queridas crianças implorem um natal desses, para que não cheguem à idade adulta e venha a lamentar o sol em textos encaixotados num blog.

Aposto que Vivald não comporia aquela beleza de verão nesse calor tropical. No máximo sairia um funk. Aqui nem vemos as quatro estações: faz calor quase sempre e frio quando o sol sai de férias... e o danado nem gosta de descansar muito! Deve ter cismado com a nossa cara.

Meus poros dilatados, o corpo sua... e pulsa intensamente e ferve e quase funde... mas nem é sexo. É só mais uma bendita tarde de calor... e pensar que isso pode nem passar... e pensar que posso me mudar... e pensar que escrevi um texto inteiro sobre o tempo, assunto preferido dos sem-assuntos... DROGA! Aqui neste bar ainda tem ideias?

sábado, 31 de outubro de 2009

Gênesis


Como uma multidão de sombras, a totalidade daquelas coisas que ali habitavam se somaram numa aproximação repentina. Antes disso, cada um com sua particularidade, repousavam na calma solitária das coisas vazias. Antes de começarem a querer ser um, todos eles elaboravam seu mundo na costa solitária e quotidiana. Uns se somavam em par e conseguiam umas cores novas, outros permaneciam negros e mudos.

Há de se notar certo tom de arte naquelas sombras. Todas elas aquarelas em ponto de acabamento, esperando um mergulho solitário de quem se atrever. Assim umas miram as outras, mas o terror da culpa pesa a locomoção. Estáticos de evolução e encantamento, cada coisa segue não sendo do mesmo jeito que antes. Mesmo assim as temíveis associações não tardavam a acontecer, diziam os otimistas.

Nunca tinha notado a beleza das sombras. Elas estáticas tendem naturalmente ao cinismo. E a paisagem vaga da falta das coisas aterroriza qualquer evolução não prevista. O nada se dissipando ao passo que os planos de união surgem. As benditas e sossegadas, as temíveis e amaldiçoadas, as medrosas e refugiadas, as religiosas e recatadas, os monges trôpegos, as fadas ligadas... todos esses e outros em assembleia planejam.

Há de se notar o entusiasmo das virgens desoladas, e o frio olhar dos santos libidinosos, todos eles nus de suas realidades. As sombras se deixam perceber por debaixo dos panos podres da antiga carapaça moral. Agora todas elas despidas encorajam-se lentamente e se afastam em círculo. E mais e tanto... até que esbarrem no limite máximo, entreolham-se, e ao contar três começam a correria desenfreada, o circulo se estrangula e se encurrala e todas se reúnem em choque.

A ideia!

Como uma multidão de sombras, a totalidade daquelas coisas que ali habitavam se somaram numa aproximação repentina.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O MUNDO EM SILÊNCIO


Massashusetts - dezembro de 1968

Norte do Vietnã (1966)?! É para aonde partiria uma semana depois de um incidente. Militar, eu? No máximo era um produtor em massa de bombas... De chocolate: padeiro, 29 anos, casado com filhos, irmão do meio dentre três: John, o mais velho, foi combatente do Vietnã em 64 quando 15.000 homens compunham o nosso efetivo, mas pisou em uma mina; Robert completa os seus 14 anos nesse mês na véspera de Natal, mas não estarei para a festa. Havia recebido por correspondência uma notícia vexatória, mas não surpreendente: tinha sido recrutado para servir o meu país e completar, junto de outros como eu, o contingente de 385.000 combatentes norte-americanos.

É incrível como o mundo da voltas, pois um dia antes do episódio eu reclamara de barriga cheia pela sobrecarga de trabalho e achava não haveria como piorar a situação. Me fu... Enganei-me! Era tempo de festas e as nossas vendas iam de vento em poupa! Até hoje muitos moradores de Massachusetts contemplam e encomendam o nosso famoso panetone de alho: receita do meu avô, que Deus o tenha!


Já em minha casa, prestes a ser servido o jantar depois de um longo dia de trabalho para todos, viria uma pergunta clichê dos relacionamentos: - “Hoje você está diferente, Amor! Está calado, o que aconteceu?” – nem preciso dizer que essa é a minha Doroty. – “...Nada, Benzinho!” – respondi hesitando. Como que eu queria dizer simplesmente que havia uma amante entre nós, como um casal americano normal! – “Eu sei que está acontecendo alguma coisa” – ela insistiu com sede de apaziguação. Eu não queria atrapalhar o nosso jantar, então a disse que depois conversaríamos com toda a família, esta que nem cheguei apresentá-la ao todo.
Os sete dias mais árduos da minha vida se passaram. Fui pegar o trem que me levaria para costa, aonde adentraria uma embarcação militar. Via minha família reunida na estação se embaçando a cada metro percorrido pelo vagão, mas enquanto não sumiam no horizonte suas mãos balançam gestos de despedida que mais me pareciam um chamado. Segui refletindo toda uma vida naquela viagem.


Chegado à embarcação, recebi alguns treinamentos e depois fui para o campo de batalha suicida: alguém que só sabia manusear uma faca de pão não teria chance contra os vietcongues. Mas tive! Por sorte, éramos tantos que eles não estavam dando conta. Matei algumas pessoas e penso que estes poderiam estar ali assim como eu, sem defender ideal algum.


Ainda em tormenta acabei me afastando da guerra. Num minuto eu estava no campo de batalha amedrontado e tenso, quando simplesmente apaguei. Acordei dias depois no alojamento do corpo de saúde. Acerca de alguns metros um aliado pisou numa mina, assim como pisara meu irmão, levando embora sua vida. Devido o acidente, sofri algumas queimaduras e a pressão sonora foi tamanha que todos os sons morreram para mim. Quase todos: ainda ouço o som da guerra na minha cabeça e um zumbido infernal me perturba, roubando o meu sono e minha paz.

Voltei para casa como herói. Mas não fiz nada, eu acho. Mesmo com a cabeça envolvida por ataduras pude ver minha mulher e meus filhos correndo em minha direção em prantos. Via-os, mas não pude ouvi-los, assim, também me verti em lágrimas. Eufóricos, eles gritavam o meu nome - eu pude ler em seus lábios. Choravam de felicidade e eu também estava um tanto feliz por vê-los, mas o sentimento que principalmente me acompanhava não era esse. Um inválido! Era isso que eu era a partir daquele momento.


O jornal de notícias que eu acompanhava enquanto modelava os pães, os finais de semana apreciando o meu Jazz, o choro de meus filhos, as palavras doces de Doroty e tudo mais, nunca mais eu os ouviria. Restou-me escrever.

domingo, 11 de outubro de 2009

Diante do Espelho Tinha uma Pedra

Tava tudo meio que rodando quando decidi levantar depois de três horas desmaiado ali. A cabeça rodava tentando encontrar um centro de equilíbrio e os pés tateavam o chão cheio de obstáculos. Roupas. Cacos. Copos. Poças. Minhas pernas fadigadas do ontem exagerado que tive e minha barriga globosa de farturas. A cabeça em espiral desejava a lucidez cotidiana e os costumes e a antiga forma de se ver. Diante do espelho miro um rosto opaco e languido que me vi transformar.

A tarde amanheceu ligeira
Com meus trôpegos desejos
Fiz da sorte força primeira
pra coincidir todos os ensejos

Quis fazer da beleza inteira
Pura dor e ocultar lampejos
Tive a festa tão costumeira
Quanto o verso que despejo

A dor laboriosa reflete clara
E eu calado penso nas certezas
E eu calado minto cordialidades

Tão tímido sinto enfermidades
Detestadas vezes tanta frieza
Que o espelho em mim declara

A velha mente nos meus ouvidos. A velha tendência ao ostracismo. E me guardo de mim tão hermeticamente que às vezes esqueço a liberdade do não. E sigo encurtando os caminhos e sorrindo ao comum. É o que vejo no espelho. E o espelho sou eu.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

quem não cola não sai da escola... ou não entra na faculdade


Já tá tudo certo, amanhã, terça-feira, pego uma cópia do material que você encomendou; seu filho vai mandar bem com essa cola, até sábado um professor amigo nosso pode resolver as questões. O pior é que meu filho ainda terá que decorar a sequência das letras, coitado; mas todo crescimento exige uma série de sacrifícios. Ah!, patrão!, o muleque ta na frente do Brasil inteiro e ele ainda pode fechar e dar entrevista no jornal nacional, já pensou?, o que ele vai ser mesmo? Médico! Num ta fraco não, hein?! Chega de conversa, cara!, ainda falta muito tempo pra essa prova; tenho medo de vazar essa informação. Você já deu uma imprensa naquele muleque?, ele quase falou com o vizinho numa carona que nós demos a ele depois do colégio; eu estava lá dirigindo mais o ouvido atento me alertou bem na hora que ele disse ter certeza que mandaria bem; e deu uma olhada que me encontrou pelo espelho. Meu filho deve mesmo estar louco!, ele ta pensando o que?, que é uma professorinha de matemática que a gente suborna? Igual a gente fez ano passado, né chefe?! Já está na sua hora, vá!, você tem que buscar o menino na escola. Sim senhor!, ainda falta aquela última parcela que eu devo pagar ao cara da transportadora da gráfica, lembra? Pode deixar que sei dos meus compromissos; deixei por último porque a quantia é alta, mas no fim da tarde estará tudo resolvido: quero essa prova hoje nas mãos do meu filho.

Pai!, consegui fazer uma grana com algumas “previsões” do tema da redação da prova do domingo. Como é que é, filho? Tô rico, pai! Você enlouqueceu?, já ouviu falar de violação?, segredo de estado?, você faz ideia de quantos crimes o seu pai pode ser condenado?, o exame pode ser adiado!, eles podem até criar uma CPI para investigar os culpados, tô fudido! Ah!, pai!, deixa de ser exagerado... que rico vai preso no brasil?, ou ainda, que CPI acha algum culpado?, estamos assegurados e eu passarei em primeiro lugar no vestibular de medicina!; e olha que eu nem sei nada de física, hein?! Filho vou ser obrigado a te deixar de castigo, agora!, em plena maioridade; nada de festas essa semana, ouviu?, e a chave do conversível fica comigo!, sem passeios no meu helicóptero, sem sair do nosso condomínio e sem internet! Qual é pai? E se eu for preso você terá que aparecer em público com uma desculpa satisfatória, pode até ir inventando!, qual é mesmo o telefone do advogado chefe da OAB?

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Antes de Partir...


Não é a minha intenção criar um círculo de lamentações e lamúrias, enxurrado de lágrimas e sufocado pelos temores contagiosos que rondam a vida humana. Estou morrendo, porém vivendo para a realidade. Nunca antes na história da minha vida me senti mais feliz, mais vivo. Tudo que eu fiz está estampado nas páginas dos livros alheios e meus. Mas algumas coisas foram deixadas para trás.

Por isso, antes de partir, deixo algumas linhas de coisas que deveria ter feito, mas não o fiz. Não me pergunte por quê. Minha respiração está fraca e vacilante demais. Não teria condições de dizer os motivos frívolos e as intenções superficiais que me arredaram tangencialmente do percurso comum da minha vida. Deixo em forma de prosa o que eu não consegui ou consegui fazer aos outros.

Deveria ter dito que amava. Mesmo que por vaidade; vaidade minha mesmo! Para saberem que sei amar, mesmo fingindo. Um amor fingido é melhor que não amar ninguém; nem a si mesmo. Podia ter simulado um amor tórrido e indescritível, desses que consomem noites inteiras de prazer e luxúria. Poderia ter sido a menina da esquina, a professora de inglês, a moça da farmácia.

O poeta dizia que a amizade é o menos biológico de todos os sentimentos. Desse, sim, não preciso forjar lembranças e imaginar emoções. Tive amigos, bons amigos. Desses terei saudades dos momentos indizíveis, remorso por não dizer o quanto cada um fora importante para mim e vontade de carregá-los para os lugares inóspitos, por onde minha alma vagará desolada e errante.

Agora, me deixem ir. Não chorem! Há inúmeras razões para que se evitem as lágrimas. Este mundo não me suporta mais. Ele sabe que corre nessas veias finas um sangue grosso de revolucionário. Seja lá qual for meu destino – queira Deus que de paz! – estarei certo de que fiz o que pude para transformar meu viver em uma animada vontade de ser feliz. Te encontro atrás do palco, amigo. Até mais...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Caso eu case...


Descobri uma maneira de viver eternamente feliz com a pessoa amada pelo resto de nossas vidas: respeitar o espaço individual, a distância entre nós. Enquanto eu permaneço com meus pés para o alto, em minha casa no Sul, ela desfrutaria da minha ausência na sala de estar de sua casa – no Nordeste. Ir a lugares interessantes todas as semanas. Mas ela na segunda e eu, na quinta. Ter longe do alcance o celular e esquecer o número da esposa.

Caso eu case, será um tipo de relação única e fundamentalmente consensual. Um contrato assinado, respeitado e temido: que me dê pleno poder de sair desse barco-casamento ao menor sinal de pique. Também garante muitas coisas a amada: que fique bem longe de mim caso eu ganhe na Mega Sena, mude o nariz ou faça aquele tão sonhado alongamento peniano. Há muito tempo não sei o que é uma noite embalada por um ardente e desvirtuoso jogo de amor.

Como um bom pensador, acredito que sei o que faz os casamentos darem errado: casar! Só se divorcia quem se casa. Não é à toa que o casamento é causa número um de separação no país. Contudo, eu ainda não entendo os homens: quando estão sozinhos, querem casar. Quando estão casados, querem morrer. Uma redenção encontrada não somente no suicídio, mas a ideia do homicídio retumba em sua cabeça. Casar-se compromete a sanidade, dizia o pintor da minha casa.

Caso eu case, darei ouvidos aos pensamentos de meu pai – que Deus o tenha em bom lugar. Ele que era homem de verdade. A partir do “sim”, no altar da igreja, nunca mais conversou com minha mãe. Dizia ele que isso evitava discussões. E no aniversário de trinta e cinco anos de casamento, ele deu a ela uma cadeira elétrica. Até hoje, nunca entendi o tal presente. Mas em um verão, houve um apagão geral na cidade. Depois disso, meu pai nunca reapareceu.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

AS CRÔNICAS SECRETAS DA DINASTIA CHAN


Há muitos anos, isso bem antes de Cristo (não que ele tivesse importância neste período, pois era a época de Confúcio e do fundador do Taoísmo, Lao-tse), durante o legado da dinastia Chan, as primeiras crônicas foram talhadas em ossos de gado ou búfalo; estes seriam os respeitados e afamados “ossos do oráculo”, utilizados para ritos e adivinhações.

Esse uso exímio da escrita, que tornou imortalizada toda organização da dinastia, foi de bom proveito para a evolução e criação de um estado forte. No entanto, o que ninguém sabia, era que um líder, alguém que nem me lembro do nome (pois, como já disse: isso aconteceu há muito tempo!), utilizava os sagrados ossos do oráculo para orientação própria.

***

Agradeço-te por tudo, primeiramente. Aqui no nosso Vale nada nos falta: o Rio Amarelo guarnece a terra de fertilidade para as nossas colheitas, nosso bronze dá-nos os mais belos e práticos instrumentos. Além disso, gozamos em paz, sem rivais nos assombrando ou dragões nos assolando. Cidades estão sendo erguidas!

Ao pôr-do-sol suas oferendas, os mais belos vasos de bronze repletos de jades e castanhas, serão lançados ao rio em teu nome - como já até deve saber, ó Aquele Que Tudo Sabe! Agora, pergunto-te: se seria possível dar-me o amor da mais bela de todas as moças, a do rosto esculpido em argila?

***

O local onde o tal líder Chan realizava o rito lembrava as trevas; as chamas das velas e a fumaça rósea dos incensos cortavam o ambiente formando penumbras de diversas formas geométricas que pareciam vivas - e realmente estavam. O suor escorria da fronte do líder e seu olho estava semi-serrado pelo poder do ópio que fora consumido. O osso fresco repousava sobre o altar e um instrumento incandescente estava nas firmes mãos ,enluvadas com couro, do líder. Seus olhos se fecharam... E ele entrou em transe... Após algumas horas, os seus olhos abriram-se e visualizaram o osso, agora coberto de inscrições, que foram traduzidas assim para o português:



RESPOSTA AO CORDIAL CHAN APAIXONADO




Amado servo, essa que desejas pela beleza é sua irmã. Mas nada para mim é impossível, e nem para ti, se é isso que queres; Pois saiba que existe um preço a se pagar por isso muito além de qualquer oferenda. Assim, antes o alerto, que, caso consumado o seu desejo, todos os que te descenderão estarão fadados a uma inesperada maldição. Além disso, seu povo será conquistado por outros, advindos do noroeste, os Chous, e nada poderás fazer. Mas se é a sua escolha realmente... Apenas obedeça ao escrito deste osso.

Com os matizes verdes do Jade presenteará sua amada e, também, a si próprio por sete dias – são quatorze pedras ao todo. No último dia, com a última das indestrutíveis pedras, acertará a cabeça da bela moça, quando em sono profundo, e terás de beber ao menos uma gota do seu sangue. Viverão o amor eterno!

***

E tudo foi feito à risca pelo líder. Assim, ele consumiu sua irmã e compartilharam um amor intransponível. Seu próximo desejo fora um filho, mas o oráculo não quis o conceder: as tentativas eram frustradas, pois nasciam mortos ou completamente desfigurados, anômalos.

Os Jades deram para o casal a dádiva da eternidade: presenciaram os seus familiares serem assassinados, o seu povo destruído. Além disso, o casal foi aprisionado pelos Chous. Consciente de que inexplicavelmente eles não conseguiriam ser mortos, o imperador dos Chous ordenou que fossem cobertos com argila, depois com bronze e que, desta forma, fossem enterrados vivos no Grande Monte ao lado dos ossos do oráculo - as crônicas que narravam toda história de uma dinastia.

Os anos se passaram... E o líder vivia com uma amante intangível. Apesar de a sua amada aposentar-se ao seu lado, não poderia mais senti-la e, ainda, vivia com as dores indeléveis das guerras que foram travadas assolando sua mente. Pena que esse amor foi esquecido na história, mesmo com a Dinastia Chan perpetuada pela escrita, pois ninguém, exceto eu, teve acesso aos ossos secretos do oráculo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Prisioneiro


Eu não sou livre. Ninguém o é. Olhe todas essas amarras que insistem em erguer-se ao nosso redor. Tantas regras, éticas, rótulos e dilemas. Dizem que não há como viver em sociedade sem algum tipo de organização. Creio nisso, mas este sistema é uma desordem burocrática cega, imprecisa e violenta. E a liberdade individual é aceita se andar na mesma mão do bando. Se divergir, obrigam-nos a ser “livre” como a maioria.

Outra coisa que me perturba a mente é o fato de não saber quem eu sou. Não sei se minhas vontades e desejos primitivos são reflexos de um consentimento social ou partem do valor individual de uma análise. Acho que fui bem programado para fazer o que manda a cartilha e esquecer o que eu era, para me tornar algo socialmente aceito. Não sou mais um indivíduo, sou parte de uma massa. Sou peça encaixada, que não tem importância sozinha.

Não sei quem sou e não posso agir como quero. Encontrei aqui uma certeza comum, algo que está no inconsciente social: todo mundo não sabe mais o que quer e o que é. Eu vejo clones, ao invés de pessoas. Todos agindo conforme o outro, sem nem ao menos querer saber o porquê dessa sincronia massificada e perturbadora. Todos pensam a mesma coisa, falam a mesma coisa, amam a mesma coisa e o que for diferente disso não cabe no grupo.

Era para ser assim: para eu ser aceito no grupo, eu deveria apresentar uma opinião diferente da geral, ser livre para gostar do que eu quiser, ser diferente e único em tudo e com todos, não participar dos processos que me torna igual a todo mundo e viver bem com isso, sem nenhum tipo retalhação. Ser diferente é completamente normal, isso está na moda. Tomara que dure muito tempo. Não aguento mais não ser eu mesmo!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

SOBRE UM MENINO QUALQUER...



Hoje falarei sobre um menino, o qual respondia pelo nome de... Bom, o seu nome não importa, leitor. Mas uma coisa eu garanto: esse menino não sou eu, claro. Como bom narrador que sou, estou repleto de informações fumegantes e , aqui, apenas explicitarei resumidamente tudo o que me contaram e presenciei. Não, isto não é em gozo uma biografia, tampouco um diário! Mas um breve recorte sobre a história de um menino que "roubava" manchetes.


Aos dez anos, o tal menino era um menino como outro qualquer. Gostava de brincar, assistir TV e frequentava a escola regularmente. A aula que mais gostava... não era bem uma aula: era o recreio – mas lá tudo se aprende. Tinha suas dificuldades com a gramática e a Física, mas nada demais. Realmente ele era um menino comum. Contudo, uma estranha vontade - ou seria sua curiosidade? - emergiu e um hábito se faria mister.


Todos os dias, pela manhã, ele passava em várias bancas de jornal e folheava numerosas revistas, lia manchetes completas, chegava a ficar quase meia hora em cada uma delas – tempo que estipulava para a sua presença. Como ele fazia isso? Ele tinha uma estratégia...


Seu horário de aula era vespertino, assim, suas manhãs que eram ocupadas desbravando revistas e jornais. O Menino, espertíssimo, criara numa breve pauta uma relação que continha o nome de catorze das trinta e duas bancas de jornal da sua cidade, para que fizesse um rodízio de visitas durante uma quinzena. O objetivo era fazer com que os jornaleiros não se recordassem da sua visita inoportuna, pois nunca comprava nenhuma revista de todas que folheava.


Na banca que se situava no quarteirão de seu apartamento, ele nunca abria revista alguma, pois o jornaleiro era conhecido de sua mãe. Era a Banca do Gole, grande Gole. Nesta banca ele apenas olhava as manchetes principais dos periódicos à amostra, sem tocar em nenhum exemplar. Feito sua “pesquisa de mercado”, ele sabia ao certo quais materiais seriam o seu alvo de leitura, deste modo perderia menos tempo. Pegava no bolso o seu papel que indicava as possíveis bancas do dia - duas. E fez isso por quatro, cinco anos...


Como conseqüência de sua compulsão quase inenarrável, suas notas melhoraram indiscriminadamente, pois a facilidade que havia conquistado para com a língua portuguesa, maximizou o seu raciocínio lógico e, assim, em todas as disciplinas obtinha êxito. Bem... Quase todas, pois as modalidades físicas foram ficando para trás, além do mais, o Menino começou a detestar futebol. Aos quinze anos, o Menino fundou, em conjunto de sua querida professora de Português, o Jornal da Escola – era coisa simples. Mas, isso era pouco pra ele.


Aos dezesseis anos conseguiu o seu primeiro emprego no Jornal da Cidade, desta forma suas primeiras revistas foram compradas, finalmente. Pródigo, seu primeiro livro foi escrito um ano e meio depois tendo sua publicação financiada por um programa da Secretaria da Educação. Fez o vestibular. Cursou Direito para agradar a sua mãe e durante sua graduação conseguiu publicar dois livros motivado e incentivado por um coordenador ancião que gostava assaz de suas colunas na Tribuna – jornal bimestral de sua instituição de ensino. Só os seus amigos compraram o seu primeiro livro e o seu segundo não vendeu muito, mas vendeu... o suficiente para que a editora o pressionasse para escrever mais exemplares – vigorou-se como escritor. Ainda assim, exercia Advocacia para possuir boa renda.


Quando completara vinte seis anos, o seu terceiro livro ganhou uma premiação estadual. Aos seus quarenta e nove anos, com seis romances escritos, três livros de contos e crônicas e dois ensaios jurídicos, ele conquistou uma cadeira na Academia preenchendo o vazio de um grande escritor o qual não me recordo do nome. Antes, aqui referenciado como um menino comum, sua vontade o tornou excepcional. Virou um menino singular com muitas conquistas.


Contudo, ainda que com tantos méritos conquistados, até hoje, eu não resisto quando passo por uma banca de jornal.

És belo, és forte... És risonho

Hoje bem cedo fui convidada pra uma saída. Não resisti mesmo sabendo do compromisso de trabalho que iria enfrentar depois. Fui com a roupa que iria mais tarde ao tal compromisso – como me arrependo disso! Enfim... Junto a alguns amigos achei que não houvesse mal nenhum em bebericar alguns drinks charmosérrimos que desfilavam nas bandejas coloridas em minha frente.


Um... Dois... Cinco... Já nem sei mais quantas vezes visitei aquelas bandejas. O som era animado. Fui ao banheiro e retoquei a maquiagem: estou linda pensei. Volto à festa e todos são amigos. Tinha um videoke, me acabei. Ninguém ligaria pra minha desafinação afinal já sou consagrada. Meu companheiro passa a me limitar as bebidas. Acabo me irritando com essa censura. E eu não sei o quanto posso beber? Estou ótima disse eu. Acho que o convenci.


Depois de umas três horas de festa eu já estava cansada de rir dos novos cantores que surgem a cada copo. E com a fartura de bandejas e garçons que havia naquele lugar vocês já podem imaginar o coro que havia ajudando os calouros. Mas apesar do clima divertidíssimo fui tomada por um arrependimento... Cacei na bolsa a letra da música que ia cantar e descobri que a letra, que deveria ser familiar, parecia um código em braile. Bem que deveria ter prestado mais atenção no que entoava aquela velha diretora antes das aulas no ginásio. Tarde demais.


Fui tomada por uma dor de cabeça insuportável. Achei a velha neosaldina desprezada no fundo da bolsa e não pensei, tomei logo duas. Estava trêmula, bêbada – inegavelmente, com dores enfáticas na fronte, e a essa altura já não mais me sentia linda. Pedi ao companheiro careta que me levasse ao local onde deveria estar a dez minutos atrás e ele me escorou com o braço e me indicou o caminho que já era fosco. Cadê meus óculos?


Todos esperavam por mim quando meu companheiro adentra o salão lotado. Eu experimento uma caminhada solo e consigo chegar com sucesso ao meu lugar perto do músico que me acompanhará. Certifico-me de que a letra está arrumada no suporte a minha frente e faço um sinal positivo ao locutor que me anuncia logo em seguida. Cheia de valores patriotas e radiante por ser eleita para cantar o hino nacional comecei a dar voz, de uma forma particular, ao hino de meu país.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

SE POR ACASO EU CASAR...



Nossa! hoje eu tive um sonho tão estranho, sonhei que havia me casado. Sabe? nem sei porque eu estou escrevendo sobre isso, mas acho que é um texto mais preventivo. Fiquei com medo das consequências desse tal de casamento, mas o meu medo maior é sobre o que eu posso fazer ou ser no futuro. Não quero ser igual ao restante das pessoas grandes. Papai e mamãe e outras pessoas que eu conheço - eu sei, não sou bobo - já sofreram muito com isso, pobrezinhos!

Eu queria poder alertar todo o mundo para não se enganarem com um tal sentimento chamado amor. Não tenho nada contra ele, amo muito minha mamãe, apenas queria dar um poder para todas as pessoas do mundo, o de enxergar quando o amor é verdadeiro. Quando os meus pais se casaram eu ainda era pequeno, sabe?, mas eu me lembro muito bem de tudo: meus pais remedavam tudo o que um moço de roupas estranhas e brancas falava, diziam "sim" para tudo mesmo quando estavam chorando e, no final, ainda se deram um beijinho.

Meus pais se casaram e a cada dia estavam mais distantes um do outro - e de mim. Estão sempre separados, sempre brigando... Mesmo quando eles estão de bem, eu posso ouvir minha mamãe no quarto gritando e pedindo ajuda - muito estranha essa gente grande!

O amor dos meus papais é verdadeiro, mas eu não sei o por quê de tanta confusão. Ouvi falar que é desse jeito que as coisas funcionam, assim, tudo muito complicado. Mamãe me disse que sem briga não há relação, sei lá o que ela quis dizer com isso, mas se ela falou deve ser importante.

Já pensou, se por acaso eu casar? Tomara que quando eu ficar maior, gente grande e inteligente, eu não me esqueça de tudo isso que eu escrevi aqui, pois quero ser o amor verdadeiro. Eu não sou desobediente, mas eu gostaria que todos os meus amiguinhos não aprendessem essas coisas feias das pessoas grandes. Esse mundo dos adultos é muito complicado, por isso, prefiro mil vezes brincar do que namorar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

ABSTINÊNCIA


Ah, como eu precisava desse momento com as ideias novamente! Que alívio poder fabricar e sorver esse gole depois de tanto tempo, estava quase abstêmio. Há quanto tempo esperava por este momento mesmo? Sei lá, talvez alguns dias – meses ou anos -, quem sabe? Não importa, porque o tempo nunca fora importante para mim, nem nos meus momentos mais críticos, pois ele sempre se negou a atribuir-me respeito: por pirraça os minutos juravam-se eternos, assim o dia fazia-se infindável na ausência de um gole que seja.


Viciado, nunca fui. Mas admito que, de quando em quando, sorvia alguns goles com muita frequência. Às vezes, na ânsia de saboreá-los, eu mesmo os produzia, como faço agora. Faço porque sou fraco, não resisti - lamurio! Na falta de um gole minhas mãos tremulam e meu ritmo cardíaco acelera, ao passo que me perco em alucinações onde me encontro numa banheira repleta de goles...


Não quero ser abstêmio, não sou Santo, mas confesso que quase estive contido neste grupo. Por quê? As influências talvez: meus amigos sempre me ofertam com goles. Nunca resisto à tentação. Os goles mais amargos são os políticos, pois têm fel na sua composição; os mais doces seriam os de amor, no entanto, as fermentações na fábrica dos amigos de gole sempre os deixam assaz alcoólicos, assim ocultando toda doçura que remanesceria do seu néctar. Tem até água benta com teor alcoólico, onde mitos e divindades são postos em dúvida ou pelo menos tratados de igual para igual, estes goles não têm temor algum.


Enfim, já não aguento mais ficar sem goles. Nesse momento ponho a bebida (texto) sobre a mesa (desktop), entro no bar (Blog) mostrando minha carteirinha (login) para o porteiro (Blog Spot) e agora posso finalmente dar cabo ao meu gole (texto). Aguardo (carregando...) o seu toque final e agora sim está pronto. Vou com toda sede ao pote e o bebo (publico) demitindo-me da abstinência. Não sou viciado o suficiente, por isso deixo um gole para que os meus amigos depois o sorva (leia) – ou eu, quando a sede retornar.

domingo, 30 de agosto de 2009

Aniversário [a surpresa esperada]


Finalmente cheguei ao aposento em que todos me esperavam. E o pior é que tinha que manter minha cara de satisfação fingindo não desconfiar de nada. Mais um ano em minha vida... Mais um ano de coisas iguais! Adentro o aposento escuro, as luzes se acendem, e meia dúzia de amigos, mais outros parentes, cantarolava o famoso parabéns-pra-você. As cores daquele lugar, que muitas vezes tomei meu café da manhã sozinho, agora cheio de gente feliz me angustiavam lentamente. Disfarço o suor que transpira em minha testa, e esboço um sorriso cordial em resposta; e com o pensamento firme na ideia de que em breve tudo aquilo irá acabar, segui concordando com a festa que me invadiu em plena maior idade.


Esse dia já começou contraditório. Lembro da primeira imagem que meus olhos presenciaram: minha mãe... Como em todos os últimos anos que minha memória não esqueceu... Sorridente afirma os votos que sempre me causaram rubores nas faces. Hoje não diferente me enchi daquilo. Disfarçadamente acordei e me desculpei de qualquer forma dizendo que passaria o dia fora. Minha bicicleta, a única amiga daquele dia... Não quero mais ver ninguém. Passei o resto da manhã que faltava e um começo de tarde pedalando... Já cansado me acostei sob uma árvore e abri o celular... li algumas das mensagens que me diziam o mesmo.


A tarde ainda muito acesa me angustia por demais. Tento esboçar algumas reações surpreendentes: e se eu voltasse e encarasse as ligações, os apertos de mãos, os abraços de sempre; mas logo me convenço das memórias esquecidas, da tradição do não. Hoje é mais um ano de minha vida, que hoje apesar de curta, me transborda. Estou cheio! Cheio de lembranças por fazer...


Mas confesso que nuns momentos mais calmos chego até a gostar dessa atenção toda. O Orkut deve estar fervilhando de amigos a me cumprimentar... Penso em passar na casa de alguém... Talvez um amigo menos preocupado com a data, uma garota que tenha beijado alguma vez, uma relação mais superficial que me poupe do que já estou cansado de saber: os anos passam, e em breve minha cara demonstrará isso. É isso que vejo: uma cara com rugas rachadas, um velho professor de língua vernácula que foge do mundo no dia que celebram seu próprio nascimento... E que recita incansavelmente os versos famosos de Casimiro de Abreu: “Oh ! Que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida...”


E num fim de tarde quase que perfeito de memórias e solidão, fui encontrado. Um amigo veio com um papo de que precisava conversar e nem se lembrou de me felicitar pelos anos vividos; comovi-me e logo me dirigi pra minha casa na intenção de comer algo e novamente sair... Finalmente cheguei ao aposento em que todos me esperavam. E o pior é que tinha que manter minha cara de satisfação fingindo não desconfiar de nada. Mais um ano em minha vida... Mais um ano de coisas iguais!


terça-feira, 25 de agosto de 2009

O que fazer quando seu Amor for um psicopata...


Ele elogia tudo que faz e ainda gosta das musicas folks que ouve e filmes iranianos que só você vê? Tá ferrada! Você acaba de se embolar numa rede “pesca-otário” e será difícil sair dessa sem marcas. Mas, ainda tem jeito. O primeiro passo é desconfiar que o bonitão ao lado, que se diz ser agente secreto e ter muito dinheiro, só quer se aproveitar de você. Está duvidando? Olha só:

Não é uma regra: caras bonitos existem e namoram. Mas daí dizer que você é perfeitamente linda, quando você se enxerga no espelho “Betty, a Feia”! Tem algo de muito errado nisso. O Amor é cego e burro, mas não perdeu a dignidade. Se você tentar o primeiro “chega pra lá” e ele fizer uma carinha fofa, tipo a do Gato-de-Botas do Shrek, pronto! Psicopata que é psicopata finge muito bem.

E nem adianta ele vir com “amorzinho, eu vou mudar”, pois não cola! Psicopatas nunca mudam. Isso é tão verdade quanto o céu é azul, água molha, loira é burra... Não tenha pena. Dispare contra ele suas vontades individuais e projetos pessoais. Se nada disso der certo, esconda (por favor!) os machados e serras elétricas ou qualquer ferramenta que eventualmente possa virar uma arma.

Ele, como todo bom psicopata, não vai sair da sua cola enquanto achar que seu relacionamento ainda tem muito para dar – uma relação “parasita e hospedeiro”, na qual você se encaixa perfeitamente no papel de hospedeiro. Fuja o mais rápido possível para Bangladesh ou o mais longe que puder. Talvez ele não te siga ou até te esqueça, assim que arrumar uma outra trouxa para sugar.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Preliminares [um caso quase real]


O procedimento foi marcado para as treze horas, mas já as dez o médico se encontra vestido de uma bata estéril e conferindo se a equipe está a postos. Do outro lado a paciente, ansiosa, apresenta a documentação necessária na recepção, assina termos e mais termos de responsabilidade. Ela só pensa: é o filho que a gente sempre planejou; e vê em resposta o olhar esperançoso do companheiro de anos.

O médico, certificado da eficiência de sua equipe, circula na sala cirúrgica. A paciente então surge, o médico a recepciona de forma cordial. O velho tenta tranquilizá-la lembrando do milagre da maternidade que a espera, e ela com lágrimas nos olhos sorri em resposta. Ele se lembra de quantos casais já beneficiou com seus métodos de fecundação ousadíssimos. E envaidecido afirma: vai dar tudo certo!

Todos em sala. Anestesia em andamento, mãos deveras limpas e adornadas de luvas cirúrgicas. O corpo nu já nem reclama a posição vexatória. Corpo sedado. Olhos se entreolham por cima das máscaras. A cabeça do calejado cirurgião fervilha de possibilidades, mas a teoria afiadíssima garante o sucesso da operação. Acabou! Agora os olhares são comemorativos. E o silêncio sepulcral de antes é timidamente preenchido por um leve burburinho. O médico conversa com o anestesista num canto da sala. A paciente, fecunda, é coberta e novamente passada pra maca. O mesmo médico faz questão de afastá-la sozinho.

E então ele estaciona a maca, monitora os batimentos cardíacos, visualiza os seios fartos da moça. Pendura o soro e confere o gotejamento, e tira o pano que cobre o ventre. A sala de cirurgia é limpa e o corredor está vazio. O médico verifica a dilatação das pupilas, e nada de despertar. Agora já sem luva nem máscara o velho se livra do cinto e das calças...

...

Uma claridade se avoluma lentamente, e o olho em fenda se abre e fecha. O sono em pleno dia nunca foi tão profundo pensa a torpe paciente. As mãos ainda formigantes esboçam movimentos de pinça, e os pés não conseguem o mesmo por se sentirem presos. Agora a claridade é mais nítida e o olho curiosamente se abre. Sinto a mão mais porca e grotesca modelar meus seios, nem tenho força pra nada. Arregalo intensamente os olhos, e vejo a crueldade do monstro ao abrir mais o soro e me fazer de novo morrer.

domingo, 16 de agosto de 2009

Poesia da dúvida?


Por que cantar, feliz, o amor?
Já que o amor traz consigo a dor
A dor do viver, querer e não ter
A dor do ter, perder e sofrer

Amar o que pode morrer
O que pode correr
O que pode não corresponder
Mas amar é o que faz viver?

Viver por amar outrem
Viver por não ter saída
Viver, então, por alguém?

Ame ela
Ame ele
Amar a quem, afinal?
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