UM GOLE DE IDEIAS

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.: Um Gole De Ideias :. -> Dois anos no ar!

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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O MUNDO EM SILÊNCIO


Massashusetts - dezembro de 1968

Norte do Vietnã (1966)?! É para aonde partiria uma semana depois de um incidente. Militar, eu? No máximo era um produtor em massa de bombas... De chocolate: padeiro, 29 anos, casado com filhos, irmão do meio dentre três: John, o mais velho, foi combatente do Vietnã em 64 quando 15.000 homens compunham o nosso efetivo, mas pisou em uma mina; Robert completa os seus 14 anos nesse mês na véspera de Natal, mas não estarei para a festa. Havia recebido por correspondência uma notícia vexatória, mas não surpreendente: tinha sido recrutado para servir o meu país e completar, junto de outros como eu, o contingente de 385.000 combatentes norte-americanos.

É incrível como o mundo da voltas, pois um dia antes do episódio eu reclamara de barriga cheia pela sobrecarga de trabalho e achava não haveria como piorar a situação. Me fu... Enganei-me! Era tempo de festas e as nossas vendas iam de vento em poupa! Até hoje muitos moradores de Massachusetts contemplam e encomendam o nosso famoso panetone de alho: receita do meu avô, que Deus o tenha!


Já em minha casa, prestes a ser servido o jantar depois de um longo dia de trabalho para todos, viria uma pergunta clichê dos relacionamentos: - “Hoje você está diferente, Amor! Está calado, o que aconteceu?” – nem preciso dizer que essa é a minha Doroty. – “...Nada, Benzinho!” – respondi hesitando. Como que eu queria dizer simplesmente que havia uma amante entre nós, como um casal americano normal! – “Eu sei que está acontecendo alguma coisa” – ela insistiu com sede de apaziguação. Eu não queria atrapalhar o nosso jantar, então a disse que depois conversaríamos com toda a família, esta que nem cheguei apresentá-la ao todo.
Os sete dias mais árduos da minha vida se passaram. Fui pegar o trem que me levaria para costa, aonde adentraria uma embarcação militar. Via minha família reunida na estação se embaçando a cada metro percorrido pelo vagão, mas enquanto não sumiam no horizonte suas mãos balançam gestos de despedida que mais me pareciam um chamado. Segui refletindo toda uma vida naquela viagem.


Chegado à embarcação, recebi alguns treinamentos e depois fui para o campo de batalha suicida: alguém que só sabia manusear uma faca de pão não teria chance contra os vietcongues. Mas tive! Por sorte, éramos tantos que eles não estavam dando conta. Matei algumas pessoas e penso que estes poderiam estar ali assim como eu, sem defender ideal algum.


Ainda em tormenta acabei me afastando da guerra. Num minuto eu estava no campo de batalha amedrontado e tenso, quando simplesmente apaguei. Acordei dias depois no alojamento do corpo de saúde. Acerca de alguns metros um aliado pisou numa mina, assim como pisara meu irmão, levando embora sua vida. Devido o acidente, sofri algumas queimaduras e a pressão sonora foi tamanha que todos os sons morreram para mim. Quase todos: ainda ouço o som da guerra na minha cabeça e um zumbido infernal me perturba, roubando o meu sono e minha paz.

Voltei para casa como herói. Mas não fiz nada, eu acho. Mesmo com a cabeça envolvida por ataduras pude ver minha mulher e meus filhos correndo em minha direção em prantos. Via-os, mas não pude ouvi-los, assim, também me verti em lágrimas. Eufóricos, eles gritavam o meu nome - eu pude ler em seus lábios. Choravam de felicidade e eu também estava um tanto feliz por vê-los, mas o sentimento que principalmente me acompanhava não era esse. Um inválido! Era isso que eu era a partir daquele momento.


O jornal de notícias que eu acompanhava enquanto modelava os pães, os finais de semana apreciando o meu Jazz, o choro de meus filhos, as palavras doces de Doroty e tudo mais, nunca mais eu os ouviria. Restou-me escrever.

5 comentários:

  1. Olha... Você sabe muito bem como eu adoro essa parada de reescrever a história, ou as notícias! Ficcionar sobre o real é desafiador e você se mostrou muito hábil!

    Aplausos! Vê se apareça!
    (dessa vez nem posso reclamar do teu litro de ideia!)

    PS.: A escrita como última saida acabou desvalorizando a nossa arte, amigo! Já pensou nisso? Enfim... Você foi gênio! BRAVO!

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  2. Amigo de Gole, obrigado!!!

    Mas só justificando seu PS ("A escrita como última saida acabou desvalorizando a nossa arte"):

    a escrita como ultima saida, como uma valvula de escape, seria apenas uma expressão de um pensamento, de que a melancolia alimenta criações e fornece inspiração.rs

    Um abraço!!!

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  3. Hummm... Fabrício sinto que houve um menosprezo sim, mas por parte do personagem (rs)... Pois ele nao reconheceu sua escrita como arte, apenas como forma de expressao das suas angústias.

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  4. O texto não é mais teu, meu caro! E pelo que entendi a escrita foi o que restou... a última opção! E vejo sim isso como um menosprezo! Porém isso não diminui a sua obra... achei que o personagem foi muito bem escrito, e aposto com mais coerência que nos livros de história! rs... Aplausos novamente!

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  5. Houve sim um menosprezo,mas a arte é tão livre que permite isso muito bem!
    Pode-se muito bem criar uma personagem que deteste livros.
    Nen sempre os personagem servem como boca do autor.

    Mais uma vez um tema cascudo e um texto deste tamnaho que é muito bom de encarar.



    "(...)todos os sons morrerão para mim. Quase todos: ainda ouço o som da guerra na minha cabeça e um zumbido infernal me perturba, roubando o meu sono e minha paz.(...)"

    Aplausos!

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Muito obrigado pelo seu comentário (dose)!

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