Pai Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, médium desde nascença, reside oficialmente na biblioteca do Petit Trianon, sede do Terreiro Brasileiro das Letras. Possui formação em lexologia pela Academia Semântica, porém seu ofício foi dedicar-se à filantropia como consultor espiritual. Apesar de sua magnífica residência a la France, não possui morada fixa. Responsabiliza-se por atender toda a população, desde que passados pelo rito de iniciação (alfabetização) e claro, atende de bom grado aos que se dedicam espiritualmente ao letramento - tarefa infinita. Se não fosse a renúncia à fé dos não-iniciados (analfabetos), Pai Aurélio seria onipresente à semelhança de Zambi, seu deus – estaria em todas as casas, mochilas e bolsos para ser consultado.
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- Painho, por favor dê-me uma luz. Deparei-me com um sujeito que não consigo compreender.
- Pois cite o nome dele, que eu a ajudarei – farei a busca.
- Frederich Niezstiche, costumo o chamar de Fred.
- Vixe! Creio que ajudá-la seria complicado por demais. Minha formação se fez nas cátedras brasilesas, sobretudo em Salvador, Bahia e no Rio de Janeiro. Afora, consegui o título de dicionário na África do Sul após doutoramento em Parapsicologia da Palavra. Se fosse um sujeito lusitano ou latino - talvez africanista - poderia até fazer minhas conjecturas, mas germânico... Não estou à altura para ajudá-la. Vou ter que encaminhá-la para um alemão: o Dr. Adolf Fritz. Entretanto, faça uma oração e passe-me o vocábulo do predicado, pois verei se posso ajudá-la.
- ...Amado da frase: “Frederich é amado por mim”. Mas não o adjetivo, o verbo partcípio.
- Não consigo ler nada. Seja mais precisa na conjugação. Passe-me sua característica no infinitivo.
- Digo sim Painho. Amar.
Pai Aurélio chacoalhou suas páginas e as arremessou contra a mesa num sexto como se fossem búzios. Ele com cara de interrogação, fez sua leitura espiritual.
- Sim. Vejo, leio claramente. Amar: verbo transitivo direto, ou seja, um nômade. Significa, gostar de... ternura por... Claro, você evidentemente está amando esse tal de Frederich. Porém, creio que isso já era evidente. Mas, você ainda não está sendo precisa.
- Me ajude Painho. Pois mesmo com a minha imprecisão você levantou um dado relevante: nômade, realmente Fred o é. Está bem, serei mais precisa em conjugação: amor.
- Hum, hum... ah! - Nistagmos oculares, mãos em garras nas costas, braços como xícaras de duas asas, ombros elevando-se mediante espasmos e corpo envergado; Painho, diante da busca pela palavra complexa em significação, assaz abstrata, incorporou o Pai de Todos os Santos.
- Ah! Quem me chama? - diz o Pai de Todos os Santos em voz ofegante, tensa e estrangulada. Saber sobre o tal... amor? Ai! Isso é complicado demais. Só de pensar nesta palavra me dá nervoso, mas se é o que queres, direi. Contudo, peço-te em troca algumas oferendas. Acordo fechado, falarei sobre o tal... Ahhhhh!!! - Um grito fez Pai Aurélio retornar ao seu corpo de fato.
- E aí minha querida, conseguiu as respostas que queria? - Com suas reservas de energia exauridas, Pai Aurélio dispensou a cliente, que dissimulada anuíra em reposta.
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Pai Aurélio está com uma tremenda enxaqueca, por isso repousa sobre a estante ao lado de alguns amigos - a teóloga Bíblia, a historiadora Enciclopédia e a jornalista mexeriqueira Biografia. Sua cliente saiu do consultório com mais dúvidas do que chegara, porém saiu reflexiva.
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- Como pode ter tal palavra tanto ardor ao mesmo tempo em que há paixão? E, por que Pai Aurélio não conseguiu ofertar-me com seu significado? Claro, já sei: o amor é uma palavra, que ainda que se consulte seu significado, este não será aprendido, senão pelos órgãos dos sentidos. Pois o vocábulo do sentimento deve ser apreendido de forma pragmática, através de nossas vivências. Adquirido através de contextos afetivo-comunicativos de maneira informal. Amor, então é assim que o desvendamos – ao menos em parte? Vivendo, o sentindo? E Fred: será que a sua essência de complicado que me atrai em paixão? Xi! Vou ter mesmo que me agendar com esse tal de Doutor Fritz!
Grande amigo escritor. Mandou muinto bem!
ResponderExcluirEssa comparaçao -se assim posso chamar- ao dicionario como um PAI, seja ele de santo ou de um bom escritor foi de um tom lúdico excelente onde também se fala de amor. Amor não esplicado, mas sentido.
Um gole dee "caninha" para consultar o Pai Aurélio
Ótimo texto, bom gole!
Ah... Jonatan! Você num tem medo, né?!
ResponderExcluirServe um gole de cachaça... cutuca o preto velho e o intelectual ao mesmo tempo, e depois se manda? Ainda deixa a gente sem saber o que é o amor! Tudo bem... algumas perguntas não tem mesmo resposta!
Um abraço! Gole extremo Zulu!
Nota: Terreiro = Quarto do Amigo de Gole, Fabricio. Muito bom, Jonatan! Nem as entidades sabem o é o amor, quem dirá nós! Espero pelo proximo gole esclarecedor, rs... Ate mais!
ResponderExcluirÉ verdade, Alexandre, eu notei que o dicionário da foto é aquele Aurélio destruído que o Fabrício tem! rs Fora o aqueles cordões inconfundíveis que o Jonatan usa! Enfim, você e o Fabrício adoram mesmo mexer com esse negócio de macumba, hein? Sempre discutimos sobre este assunto e agora ele rendeu um texto! rs
ResponderExcluirSó entre nós, será que o Xandy ficou com medo ao ler o texto? rs
Parabéns!
Abraço!
Você gosta de brincar num é Jonatan é um mau-caráter feito Fabrício,porém não nego que já me consultei com Painho muito respeitado e admirado por todos, o terreiro num adianta negar muitos já foram lá mesmo que para conhecê-lo...rsrs...bjus muito original e perfeito.
ResponderExcluirBrilhante texto, pelo que constato você não só consultou o Pai Aurélio, deve ter incorporado, rs.
ResponderExcluirDeu até uma pontinha de inveja, daquelas produtivas. Há algum tempo escrevi um post sobre esse tema, mas nem sei onde guardei. Vou procurar no Google e se encontrar vou postar, mas vou recomendar muito este post, é genial. Parabéns!
Realmente, um post criativo, inovador e de extremo bom gosto!
ResponderExcluirLindas metáforas!
Ousei publicá-lo no meu blog ( fiz o devido crédito ).
Passe lá!
Parabéns!