Domingo, 5 de Agosto de 1945.
Os dias se arrastam devagar. Não se escuta a palavra esperança nas casas de nosso vilarejo e rumores inquietantes assombram nossas janelas. Um sussurro abafado ecoa do horizonte, nossos temores aumentam com a escassez de sonhos e muito do que nos resta será pouco para continuar a viver.
Ajeito meu único filho para comemorarmos seu quinto ano. Amanhã todos os familiares se ajuntarão e ajudarão a estancar a ferida aberta por esses homens fardados. Celebraremos a verdadeira vitória que se pode conquistar na vida: a paz interior. Apesar de atribulados, não desfalecemos.
Yaki é meu tesouro. O único dentro desse baú abarrotado de quinquilharias e bijuterias falsas. Quando o vejo sorri, lembro-me do Sol, ouço o barulho contínuo de uma cachoeira desaguando num lago cristalino, penso que encontro o céu ou chego bem perto daquilo que os ocidentais chamam calorosamente de Deus.
Não tenho ambição de vê-lo se tornando um doutor, um empresário ou até mesmo um samurai. Meu único desejo é que ele encontre um mundo palpável e digno de recebê-lo. Quero que ele encontre no amanhã um lugar que sequem suas lágrimas de hoje. Quero que ele veja seu futuro límpido, como quando vemos nosso quintal pela porta aberta.
Estarei sossegada em saber que meu filho caminha como um guerreiro antigo, sobre pernas tenazes e com olhar valente. Que vê à frente a tristeza e deixa de lado a angustia. Hoje eu estou feliz porque eu sei que no mundo das possibilidades, tudo é possível. Ele encontrará seu bálsamo vivificador.
Segunda-Feira, 6 de Agosto de 1945*
Um estrondo, seguido de um clarão e calor, se fez ouvir. Enquanto Yaki apagava as velinhas, pela janela, vimos as casas se desfazendo, ouvimos gritos sufocados de dor e todo o cenário da infância de meu filho sucumbiu em fagulhas e cinzas. A última coisa que eu vi foram os olhos marejados de Yaki.
* Data em que ocorreu o bombardeio nuclear à cidade de Hiroshima, no Japão.
* Data em que ocorreu o bombardeio nuclear à cidade de Hiroshima, no Japão.
Adoro tragédia!
ResponderExcluirAcho muito inteligente esse lado da história que a gente não coinhece... A ficção junto a realidade num acordo simples unido pela emoção.
Você é brilhante, amigo!
Acho que você já começou a ler O diário de Anne Frank, não? rs
ResponderExcluirSua narrativa se parece tanto com a deste livro...
Foi um excelente texto, amigo.
Você transformou uma tragédia num poesia! rs
Quem dera os apresentadores fizessem isso ao nos transmitir tantas notícias ruins...
Parabéns!
Abraço!
"Hoje eu estou feliz porque eu sei que no mundo das possibilidades, tudo é possível. Ele encontrará seu bálsamo vivificador."
ResponderExcluirÉ paradoxal. Não sei lhe digo que o texto é bom e o blog é legal -ou relebrando fatos reais - sinto tristeza e sinto-me inerte sem vontade de dizer nada. A guerra, a morte, o sofrimento, tão repudiados e intrisecos ao ser humano. Nossa complexidade vai além - ao amar a vida, ainda que lançando bombas sob o subterfúgio que a morte de uns é digna se salva a vida de outros.
Muito bom Alexandre... Muito expressivo, real e lúdico simultaneamente... Parabéns.
ResponderExcluirUm gole avassalador e ao mesmo tempo reflexivo - fica aos olhos do leitor, eu catei todas as interpretações possiveis!
ResponderExcluirMeu Amigo de Gole, só de ver a imagem, não sei o pq^, mas acertei: era realmente vc Xandy o escritor.
E claro, Fabrício, eu tambem adooooooooooro (em tom anamariabragafonico) tragédia. Ainda que esta nao seja tão distante da nossa realidade (semi-ficção) e digna de pena (ou seria raiva e indignação).
Xandy, simplesmente perfeito... me emocionou!!!
Obs: O Lucas amigo de gole, sempre explicitando nossos segredos, influencias, etc... rs
Um gole griz, salgado e gélido (lágrimas).
meu amigo, muito bom!
ResponderExcluirum minuto de silêncio pelas lagrimas que naun caíram,
os gritos inaldíveis e as despedidas que nunca foram feitas.
foi um gole digno de um bom paladar
foi taun profundo q ate senti o sofrimento desse povo.
Muito esclarecedor meu amigo...acho que já li uma história parecida "Alice no país das maravilhas", ela tentando encontrar o paraíso, sua infância indo embora, não que nisso haja tragédia não sei, preciso relembrar o texto...porém fazendo com que a história seja real do ponto de vista seu e de quem quiser acreditar...meu querido parabéns eu adoro vc não só como pessoa, mas porque é um excelente escritor disso acho que ninguém duvida... e não esqueça quando for famoso, porque "O Grande" vc já é...quero meu autógrafo em todos os livros que eu comprar de vc.Bjus
ResponderExcluirParabéns, Alexandre!
ResponderExcluirEste foi profundo...
Também tenho um certo gosto por ler tragédia.