UM GOLE DE IDEIAS

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.: Um Gole De Ideias :. -> Dois anos no ar!

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quarta-feira, 29 de abril de 2009

Malditos porcos!


Resolvi adiantar minha carta de morte. Há indícios que a tal gripe suína atinja mesmo o Brasil e com força. E como todos sabem nosso sistema único de saúde não tem nem condições de dar conta de ferimentos leves. A pandemia já está quase anunciada. Estamos perto do fim.


Eu poderia tentar escrever uma espécie de testamento acreditando na sobrevivência de alguns de vocês que estão a ler essa carta, todavia não sou tão otimista assim. A importância de celebrar com os amigos as poucas linhas que me restam me fala mais alto neste momento.


Estou cuidando de cada detalhe, nem fiz questão da minha máscara azul. Tratarei logo de fingir que esse vírus não existe. Não saberia viver sem os calorosos apertos de mão, nem muito menos sem os beijos. Sou um propagador nato.


E vêm logo as comparações: gripe espanhola, gripe asiática, gripe aviária... para que tanta gripe meu deus? E lembro logo das inevitáveis previsões apocalípticas: as pestes. Enfim tudo colabora para que minha paranóia me enlouqueça.


Ainda a pouco ouvi um infectologista dizer que em seis meses podemos ter a tal vacina contra o vírus, não é animador? Não, não é. Ele percorreu toda a América do Norte e central em menos de um mês. E agora já está na América do sul. É só uma questão de transporte para ele tomar a Europa que a merda estará feita.


Por tudo isso, a partir de hoje minha vida está em regime de urgência. Todos os amores descartáveis assumem em definitivo. Os amigos novos foram evoluídos para os de infância. As crônicas virarão livros. E tudo que direi ou disse tem de ser levado a sério, como a gente costuma fazer com aqueles pacientes que estão prestes a morrer. A vida ganha instantaneamente um ar de beleza última, a qual tem direito. Deixo aqui um aceno derradeiro a todos que leram meu último gole. Partirei com meu copo ansiando por idéias/goles de outros povos que não tive acesso. Foi um grande prazer escrever com vocês! Fui...


terça-feira, 28 de abril de 2009

Eu tentei me consertar...


A épica busca para eu ter um coração em nada se compara com os infortúnios posteriormente adquiridos assim que consegui um. Ele bate, pulsa e compromete minha dignidade. Correm razões, inflama reflexões e eu já não sou mais o mesmo homem de lata de sempre, ainda abafando os sussurrantes pedidos que vem de um peito metalicamente oco.

Por causa da inconstância de seus movimentos – ora manso como um sossegado e musical passeio pela estrada de tijolos amarelos, ora arrítmico e tenso como uma tempestade de verão – perdi dois parafusos. Não sei ao certo se os perdi ou se eles nunca existiram nessa cabeça-chaleira que fervilha emoções profusas. Ando ameaçado por um sentimento novo: remorso.

Ele parece ter vontade própria. Atrai quem ele quer, ama quem ele quer e se entrega a quem ele quer. Para um boneco de lata com um coração lascivo, pareço um escravo eterno dos desejos que habitam em mim. Temo que uma marionete ou um peso de papel viva mais feliz que eu. A inveja surgiu na semana passada. Devo me acostumar a ela, visto que ela tem me visitado constantemente.

Deixei de me recarregar para para ver o que poderia me acontecer. Mas, insistentemente, ele ecoa dentro de mim um instinto visceral, uma vontade involuntária, a energia suficiente e necessária para manter-me vivo e à mercê de uma avalanche de prazeres sombrios ou nobres, de acordo com os resultados estampados em outras faces.

Muitos me perguntavam como eu reagia diante das dificuldades que eventualmente aparecia nas minhas articulações ou em qualquer outra parte do corpo, como quando emperrara e não saía do lugar. Era difícil e estranho no começo, eu confesso. Mas tudo se ajeitava. Agora, penso que óleo e chaves de fendas consertava parafusos e dobradiças, mas o que pode dar um jeito em um insensato coração?

segunda-feira, 27 de abril de 2009

ENTRE UMA CERVEJA E OUTRA, CAFÉ ÀS PRESSAS


Eram seis e meia da manhã. Acordei inebriado, bêbado de sono e em mente o meu destino: o trabalho. As meias invólucram os meus pés desde à noite passada e sobre o meu corpo parcialmente desnudo, camisa e calça são vestidas rapidamente – no âmbito da pontualidade.


“Rita, prepare o meu café, por favor! - Do banheiro eu gritava para minha empregada, enquanto penteava os poucos cabelos que o estresse me poupou.


Correndo, cheguei à cozinha e sobre à mesa, disposta de maneira organizada estava a alimentação matinal: pão com manteiga e um cafezinho bem forte, que exalava no ar o seu aroma inconfundível. Prendi o pão à boca numa voraz mordida. Enquanto uma mão segurava o molho de chaves, na outra estava o líquido que seria sorvido às pressas durante o percurso.


Dentro do carro, esperei: abrira a porta da garagem. Meu pé ansiara aconchegar-se ao acelerador. À toda velocidade parti com o carro. Ao passo que o pão fora digerido no meu ventre após uma ineficiente mastigação, equilibrei em minha mão o escuro líquido cafeinado. O café às pressas foi sorvido finalmente.


À vista, uma imensidão de asfalto cortado por listras amarelas paralelas, duas. Quando virei na esquina, deparei-me com numerosos automóveis em fila indiana que emitiam dissonantes canções busínicas: Disfonia n° 5 em Ré Menor de Ludwig Wolkz Wagen, Prelúdio em Ré Menor de Jonh Ford ka e Conserto Grosso de Viv'Audi. A rua era intrafegável. De nada valera minha pressa - só poderia lamentar.


Admito: pensei em unir-me aos demais (dis)músicos e até esboçei mentalmente o lá sustenido em fortizzimo que minha buzina entoaria. Mas, parei. Pensei. Fiquei perplexo, sem reação alguma. Percebi que era escravo do tempo e nunca conseguiria me libertar dele por mais que eu lutasse. Cri que a melhor escolha seria me entregar: a mesma mão que emitiria discórdia, tomara uma nova decisão: ela ligou o rádio em música suave e reclinou minha poltrona. Por um momento esqueçi da minha localização e claro, do meu destino.


Resultado: cheguei todo relax ao trabalho - em estado de êxtase - e deparei-me com o “bom-dia” cortês da recepcionista. Por fim, depois de tantos salamaleques, cheguei à porta do meu escritório. Vi o chefe caminhar resmungando em minha direção a todo vapor. Seria provavelmente minha demissão ou no mínimo uma advertência - um roubo dos últimos fios de cabelos que ainda me restam.


“O trânsito desta cidade está um caos hoje!” – o disse ofegante e apoiando uma das suas mão no meu ombro como anteparo.


“É verdade. Está cada dia mais difícil chegar pontualmente nesta empresa. O trânsito nunca ajuda” – o disse incógnito: ao mesmo tempo apaziguador e sarcástico”.

***

- Garçom, traz mais uma loura gelada! Esta aqui acabou num gole, não é verdade pessoal? Bem... o quê eu estava falando mesmo? Ah sim, lembrei: o dia em que eu me safei do nosso chefe e ainda o fiz de bobo. Agora vou contar pra vocês uma novidade: Adivinhem quem me chamou pra sair ontem?


“Claro, e você está fazendo o quê aqui conosco – um bando de ébrios solteirões- em pleno sábado à noite?” - pensaram simultaneamente todos os companheiros de mesa do contador de história. Digo, contador de estória.

domingo, 26 de abril de 2009

Para refletir


Na vida há momentos que nos fazem fugir de quem somos realmente, não por receio, mas por medo de não passarmos nos testes da vida. Testes dos quais sempre esperamos por aprovação para não se sentir só.

Os caminhos que encontramos a frente, mostra o tamanho da possibilidade que temos de ser felizes. Ou de desistir de tudo.

Existem muitos caminhos, mas precisamos escolher apenas um. E ter certeza que esse valerá a pena.

Aquele empurrão pode te fazer cair, mas sempre terá uma mão amiga onde quer que vá. Por você.

Se existe certeza no futuro?

Não. Não existe.

Mas isso não pode nunca ser a desculpa que procuramos para não tentar.

E se o futuro é incerto, viva a certeza do presente.

O hoje pode ser tudo o que você terá.

E nunca espere aprovação de tudo ou de todos, pois às vezes não há nada de errado conosco, ás vezes é o que você espera que faça parte da sua vida, como se precisasse dela para continuar existindo.

Faça sempre tudo valer a pena.

Por você.

Por quem se importa.

E porque assim poderá olhar o passado e ter certeza que só haverá coisas boas a serem lembradas.

Vergonha na cara! É do que necessita o mundo!


O destaque desta semana não poderia ser outra coisa: política. O presidente paraguaio assumiu a paternidade de um menino de dois anos, fruto de um relacionamento que manteve com a mãe da criança enquanto ainda era bispo da igreja Católica. Fernando Lugo, provavelmente enfrentará mais dois processos de reconhecimento de paternidade de mais dois meninos, um de 6 anos e outro de 1 ano e 4 meses. Além de “manchar” o mandato de Lugo, mais uma vez a Igreja Católica vê-se envolvida num escândalo que , possivelmente, arranhará a já tão desgastada imagem do catolicismo no mundo. Porém, renúncia é uma palavra na qual Fernando Lugo nem pensa.

Já na África do Sul, Jacob Gedlevihlekisa Zuma, membro do partido ANC (Congresso Nacional Africano, da sigla em inglês), foi eleito presidente com 65,9% dos votos. Zuma, que coleciona denúncias de corrupção - destaque para o Acordo de Armas, que teria beneficiado Jacob Zuma com alguns milhões em propinas - e foi acusado de estupro (porém inocentado), mantém a hegemonia do partido de Nelson Mandela, como é conhecido o ANC, e que já dura duas décadas no país. Eleger um presidente com tantos “atributos” negativos, somente por ser um líder negro e fazer parte do partido que lutou contra o apartheid ,(regime de segregação que separava negros e brancos dentro da sociedade) pode mostrar-se, futuramente, como um gravíssimo erro da população sul-africana.

No Brasil, acompanhamos o bate boca entre os ministros Joaquim Barbosa e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. O ministro Joaquim acusou Mendes de destruir a credibilidade do judiciário brasileiro. No auge da discussão o ministro chegou a dizer: “Vossa Excelência quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar”, o qual reagiu e exigiu respeito por parte do colega. Gilmar Mendes e o presidente Lula já trataram de afirmar publicamente que não há crise no Judiciário após o bate boca no STF. Que assim seja, pois se a justiça neste país que já é deficiente, entrasse em crise por causa de divergências entre seus ministros, não sei onde é que o Brasil iria parar.

E o congresso? Como uma bomba, viu-se envolvido numa tremenda confusão causada pela farra com as passagens aéreas. As cotas de passagens que, em teoria, deveriam ser restritas ao uso de parlamentares ou suplentes em serviço, foram usadas para bancar inúmeras viagens de parentes e amigos de parlamentares a destinos nacionais e no exterior. Que ótimo uso do dinheiro público estão fazendo, familiares dos parlamentares fazem tour pelo exterior e nós é que bancamos!

Não entendo de política, mas a coisa está tão escancarada que não podemos mais ficar em casa chocados, perplexos com a extrema cara de pau de alguns políticos deste país! Somos uma nação que pintou a cara e arrancou um presidente do poder (se lembram do Collor, né?) e agora simplesmente nos acomodamos? Deveríamos pintar nossos rostos novamente, mas para escondermos a vergonha que estamos sentindo... O mundo encontra-se desta forma, países sendo governados por corruptos estupradores, ex-bispos safados, ditadores e políticos que utilizam o dinheiro do povo para bem-próprio. Vergonha no Brasil e no resto do mundo, mas principalmente, vergonha por estar aqui, sentado, escrevendo este texto ao invés de estar lá fora, com a cara pintada lutando por um país melhor! O mundo afundará no mar de lama que ele próprio criou e nós afundaremos juntos porque deixamos que a lama fosse jogada, gradativamente, em nossos mares, antes límpidos.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Antes da Tempestade...


Domingo, 5 de Agosto de 1945.


Os dias se arrastam devagar. Não se escuta a palavra esperança nas casas de nosso vilarejo e rumores inquietantes assombram nossas janelas. Um sussurro abafado ecoa do horizonte, nossos temores aumentam com a escassez de sonhos e muito do que nos resta será pouco para continuar a viver.


Ajeito meu único filho para comemorarmos seu quinto ano. Amanhã todos os familiares se ajuntarão e ajudarão a estancar a ferida aberta por esses homens fardados. Celebraremos a verdadeira vitória que se pode conquistar na vida: a paz interior. Apesar de atribulados, não desfalecemos.


Yaki é meu tesouro. O único dentro desse baú abarrotado de quinquilharias e bijuterias falsas. Quando o vejo sorri, lembro-me do Sol, ouço o barulho contínuo de uma cachoeira desaguando num lago cristalino, penso que encontro o céu ou chego bem perto daquilo que os ocidentais chamam calorosamente de Deus.


Não tenho ambição de vê-lo se tornando um doutor, um empresário ou até mesmo um samurai. Meu único desejo é que ele encontre um mundo palpável e digno de recebê-lo. Quero que ele encontre no amanhã um lugar que sequem suas lágrimas de hoje. Quero que ele veja seu futuro límpido, como quando vemos nosso quintal pela porta aberta.


Estarei sossegada em saber que meu filho caminha como um guerreiro antigo, sobre pernas tenazes e com olhar valente. Que vê à frente a tristeza e deixa de lado a angustia. Hoje eu estou feliz porque eu sei que no mundo das possibilidades, tudo é possível. Ele encontrará seu bálsamo vivificador.


Segunda-Feira, 6 de Agosto de 1945*


Um estrondo, seguido de um clarão e calor, se fez ouvir. Enquanto Yaki apagava as velinhas, pela janela, vimos as casas se desfazendo, ouvimos gritos sufocados de dor e todo o cenário da infância de meu filho sucumbiu em fagulhas e cinzas. A última coisa que eu vi foram os olhos marejados de Yaki.

* Data em que ocorreu o bombardeio nuclear à cidade de Hiroshima, no Japão.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Salve Jorge!



É com muita tranquilidade que escrevo hoje porque o feriado nos proporciona isso. Ainda mais essa semana-presente-de-deus: terça-feira em nome de Tiradentes (21) folgamos, e hoje – quinta – por Jorge, São Jorge, folgamos. Essa nossa fama de gente que trabalha pouco é coisa de patrão, e justo agora quando eu tinha mais uns três feriados pra sugerir li a notícia: é proibida a criação de mais feriados no estado do Rio de Janeiro. Tenho fé na grandeza de meus propósitos.


Rola um tipo de humor negro sim, afinal São Jorge morreu nesse dia, vocês sabiam? E o outro lá “o mártir” no dia 21. Mas a nossa tendência de continuar o carnaval mal-acabado fala mais alto. A gente até reza primeiro. Coloca flores ao redor das imagens. Por falar nisso: que imagens! Eu tento fugir daquela banalização corriqueira que diz que Jorge está montado num burrinho lá na lua. Acho até que essa versão perdeu força depois da conquista americana fincando a bandeirinha em solo lunar. Mas isso é tema pra outro texto.


São Jorge o eterno guerreiro podia nos ajudar a revogar essa tal lei do feriado. Oh poderoso guerreiro São Jorge! Olhai os pobres feito ti, e ajuda-nos a incluir teus amigos, os outros santos, na lista dos aclamados aqui no estado. Tu sabes de nossa fragilidade, não colabores com a política de privilégio que se estabelece aqui. Conto com tua ajuda. AMEM! Salve Jorge!


E nesse dia de Jorge, podemos celebrar a beleza de um aceitado encontro sincrônico de duas religiões tão ímpares. O Cristianismo e a Umbanda. A sociedade preconceituosa permite esse encontro e esse passeio pluri-religioso. Amamos o Jorge guerreiro. De fé inabalável, que consegue as graças que devotamos a ele. Que mata nossos dragões com a mesma fúria de sempre. Que não se importa com o som calmo de um violão, ou de um batuque de um tambor. Temos muito que aprender com ele...


“Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge. Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal.”

quarta-feira, 22 de abril de 2009

SOBRE A CEGUEIRA BRANCA DE SARAMAGO



Da minha própria verdade, do meu olhar perceptual, se faz esta análise: reparar o que há de representativo na cegueira branca de José Saramago, no livro cujo Nobel de Literatura conquistou em 1998, Ensaio Sobre a Cegueira. Uma obra maleável à essência do leitor.

***

Por que não uma cegueira convencional? Aquela que nos deixa fitando nada mais que o vazio, numa solidão visual amarga, numa escuridão à procura de porquês através de outros sentidos. Mas, Saramago trouxe algo original, tão repleto de sentidos quanto o todo da obra. Algo mais repleto de entrelinhas do que palavras.

Sim, a cegueira branca, ao contrário da convencional fita o infinito, pois nela não existe uma linha do horizonte para limitar o ponto da máxima acuidade visual. Esta cegueirassaramago é aproximar-se muito a algo e, no entanto ainda assim não conseguir ver. Ao contrário da tradicional cegueira negra, onde nada enxergamos porque estamos privados desta habilidade; tudo está oculto e incógnito como o universo - não sabemos se realmente ele existe em finitude ou em sua infinidade, enquanto não o transcorremos.

Mas de onde veio o simbolismo sobre a cegueira branca e qual o porquê dela?

É da ausência de cores que se faz o negro: é não estar, não ser. Contudo, a cor branca se faz de uma miscelânea de vidas, do multicolorido que se funde, transmutando-se em um só elemento. Nesta demasiada clareza, tudo existe, tudo está diante dos olhos, porém uma percepção débil não se faz pródiga sem que haja distinções.

No livro do Sassá (desculpem-me a intimidade, mas minha narração não resistiu), a humanidade sofre com este câncer, a cegueira branca. Esta pandemia se estende, se alastra sobre o homem num ensaio para abrirmos nossos olhos - míopes - perante as atitudes vãs que exercemos. Sobre as muletas que arrastamos como aleijados, reside um comodismo desmesurado onde o desrespeito faz-se dentro da normalidade: roubar, matar e destruir torna-se algo inevitável, desta feita fingimos não enxergar tais atrocidades para seguir nossas vidas - talvez realmente nem as enxergamos. Realizamos assim, “ações-inércia” (agir pela não-ação, ficar indiferente), iludidos com esta válvula de escape: como se deixássemos o mundo perecer não nos influenciasse em vida.

Portanto, trancendamos o olhar. Ver apenas, não basta. Pare! Reflita sobre, conheça! Tentemos reparar no que há/está em nosso redor.


terça-feira, 21 de abril de 2009

CONSULTA AO PAI AURÉLIO



Pai Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, médium desde nascença, reside oficialmente na biblioteca do Petit Trianon, sede do Terreiro Brasileiro das Letras. Possui formação em lexologia pela Academia Semântica, porém seu ofício foi dedicar-se à filantropia como consultor espiritual. Apesar de sua magnífica residência a la France, não possui morada fixa. Responsabiliza-se por atender toda a população, desde que passados pelo rito de iniciação (alfabetização) e claro, atende de bom grado aos que se dedicam espiritualmente ao letramento - tarefa infinita. Se não fosse a renúncia à fé dos não-iniciados (analfabetos), Pai Aurélio seria onipresente à semelhança de Zambi, seu deus – estaria em todas as casas, mochilas e bolsos para ser consultado.

***

- Painho, por favor dê-me uma luz. Deparei-me com um sujeito que não consigo compreender.

- Pois cite o nome dele, que eu a ajudarei – farei a busca.

- Frederich Niezstiche, costumo o chamar de Fred.

- Vixe! Creio que ajudá-la seria complicado por demais. Minha formação se fez nas cátedras brasilesas, sobretudo em Salvador, Bahia e no Rio de Janeiro. Afora, consegui o título de dicionário na África do Sul após doutoramento em Parapsicologia da Palavra. Se fosse um sujeito lusitano ou latino - talvez africanista - poderia até fazer minhas conjecturas, mas germânico... Não estou à altura para ajudá-la. Vou ter que encaminhá-la para um alemão: o Dr. Adolf Fritz. Entretanto, faça uma oração e passe-me o vocábulo do predicado, pois verei se posso ajudá-la.

- ...Amado da frase: “Frederich é amado por mim”. Mas não o adjetivo, o verbo partcípio.

- Não consigo ler nada. Seja mais precisa na conjugação. Passe-me sua característica no infinitivo.

- Digo sim Painho. Amar.


Pai Aurélio chacoalhou suas páginas e as arremessou contra a mesa num sexto como se fossem búzios. Ele com cara de interrogação, fez sua leitura espiritual.


- Sim. Vejo, leio claramente. Amar: verbo transitivo direto, ou seja, um nômade. Significa, gostar de... ternura por... Claro, você evidentemente está amando esse tal de Frederich. Porém, creio que isso já era evidente. Mas, você ainda não está sendo precisa.

- Me ajude Painho. Pois mesmo com a minha imprecisão você levantou um dado relevante: nômade, realmente Fred o é. Está bem, serei mais precisa em conjugação: amor.

- Hum, hum... ah! - Nistagmos oculares, mãos em garras nas costas, braços como xícaras de duas asas, ombros elevando-se mediante espasmos e corpo envergado; Painho, diante da busca pela palavra complexa em significação, assaz abstrata, incorporou o Pai de Todos os Santos.

- Ah! Quem me chama? - diz o Pai de Todos os Santos em voz ofegante, tensa e estrangulada. Saber sobre o tal... amor? Ai! Isso é complicado demais. Só de pensar nesta palavra me dá nervoso, mas se é o que queres, direi. Contudo, peço-te em troca algumas oferendas. Acordo fechado, falarei sobre o tal... Ahhhhh!!! - Um grito fez Pai Aurélio retornar ao seu corpo de fato.

- E aí minha querida, conseguiu as respostas que queria? - Com suas reservas de energia exauridas, Pai Aurélio dispensou a cliente, que dissimulada anuíra em reposta.

***

Pai Aurélio está com uma tremenda enxaqueca, por isso repousa sobre a estante ao lado de alguns amigos - a teóloga Bíblia, a historiadora Enciclopédia e a jornalista mexeriqueira Biografia. Sua cliente saiu do consultório com mais dúvidas do que chegara, porém saiu reflexiva.

***

- Como pode ter tal palavra tanto ardor ao mesmo tempo em que há paixão? E, por que Pai Aurélio não conseguiu ofertar-me com seu significado? Claro, já sei: o amor é uma palavra, que ainda que se consulte seu significado, este não será aprendido, senão pelos órgãos dos sentidos. Pois o vocábulo do sentimento deve ser apreendido de forma pragmática, através de nossas vivências. Adquirido através de contextos afetivo-comunicativos de maneira informal. Amor, então é assim que o desvendamos – ao menos em parte? Vivendo, o sentindo? E Fred: será que a sua essência de complicado que me atrai em paixão? Xi! Vou ter mesmo que me agendar com esse tal de Doutor Fritz!


segunda-feira, 20 de abril de 2009

Os Cinco Guerreiros Celestiais



Meridian era o maior reinado das terras de Lórien. O leito do rio Ânnamum cortava a floresta Gaina a leste do castelo de Cristal.
Sua riqueza era milenar e seus recursos naturais cuidados sempre com sabedoria.
Por gerações um acordo entre a feiticeira elfa da floresta Gaina -Gadrina- foi mantido respeitosamente. O acordo dizia: Sem que nenhum animal de minhas terras seja morto por suas atitudes cruéis e vis, eu Gadrina não os farei quaisquer mal e ainda os protegerei dos males que possam acercá-los. Mas se quebrarem este acordo Meridian ira perecer e suas terras serão lavadas com o próprio sangue.
Hoje este acordo foi quebrado. Caistus, filho do rei que não conhecia as ameaças da floresta, em uma expedição pela mesma sentiu-se acuado por um lobo cinzento e dilacerou sua garganta. Trazendo a fúria de Gadrina sobre ele e seu povo. Ela era determinada e uma feiticeira poderosa. Contava com toda ajuda que a floresta lhe pudesse oferecer. A queda de Meridian estava certa. Nenhuma magia ou guerreiro que o rei conhecia podia subjugar a cólera da elfa imortal .
O rei Stavrus não amaldiçoou seu próprio filho por pena, pois foi sua atitude e sua falta de fé no acordo que os trouxeram desgraça. Aquela que os protegeu por tanto tempo dos males, agora era o próprio mal.
O sangue começava a banhar a terra, o fim era eminente.
Um após o outro perecia, quando ouviram marchas de cavalos que faziam a terra quase tremer. Relinchavam como trovão. Eram os Cincos Cavaleiros Celestiais. Uma lenda ate então.
Com ferozes golpes de espadas flamejantes lutaram ao lado do rei e seus guerreiros, conhecidos como Os Doze Pilares das Sombras.
Juntos deterão Gadrina e a força da floresta.
Os Cincos Cavaleiros Celestiais Com sua magia selaram os poderes da feiticeira, queimaram seu corpo e levaram sua alma para o abismo de Etéria, para onde iam as almas condenadas.
Junto ao reinado os Celestiais ajudaram na sua reconstrução, e rezaram pelas almas dos valentes homens, mulheres e crianças mortas em combate.
Meridian recuperou suas forças, a floresta se acalmou e os Cincos Cavaleiros Celestiais ensinaram para os homens como deveria ser o convívio e respeito entre homens e animas, entre homens e homens e entre a cria e a criação.
E os Cinco partiram deixando sua sabedoria.
Pois de nada valerá a força senão para destruir os outros e a si próprio.
E esses cinco cavaleiros tinham um nome, Amizade, Lealdade, Compaixão, Perseverança e Sinceridade.

sábado, 18 de abril de 2009

O presente do tempo ausente [filosofia de não-filósofo]



Revisitando o tempo, que fez questão de correr na hora mais favorável, vi que os atributos concretos que o conferimos são efêmeros. Ao relembrar o passado, o trazendo para o presente, percebi que o ontem nada mais é se não o trouxer para o agora. O futuro fora da bola de cristal dos místicos, querendo eu não esbarrar em nenhuma fé , não existe. Por debaixo do pano o tempo como convenção nos forja soluções e passivamente aceitamos para driblar a abstração.

Um minuto de prosa para nós internautas pode ser muito pouco, mas para um paciente de uma doença terminal pode ser mais que o suficiente para uma declaração derradeira. Ou ainda amantes em quartos de motéis transformando das horas em breves segundos. É muito engraçado notar que o tempo corre insistentemente avançando a um futuro inatingível e transformando o quase agora em passado.

Minutos antes de uma palestra de um famoso conferencista, ou ainda de um grande grupo de rock antes de subir ao palco, ou momentos ansiosos de um político que antecedem o discurso de posse. É o presente! O que passa... mas enquanto isso na ânsia de um “futuro” correm os ponteiros significativos daquele cuco gigante. Faltam quatro minutos... a mão fria... cutuca a cutícula... estalam os dedos... todos... ensaia mais uma vez o que fará em breve... e no relógio: faltam três minutos e um quarto.

Enquanto isso nos bastidores da televisão a redação corre para estar no ar com o programa em tempo real. Algo que nossa virtualidade não alcança. O presente antes do que temos acesso. O passado que veio antes do próprio passado. É o tempo que nos prega uma peça a cada reflexão. Resisto a não o transformar em personagem e o excomungar... mas não tenho tempo pra isso.

O presente lhe dou de presente... disse o tempo a mim cordialmente. Em resposta minha voz tremula não soube agradecer. Mas por um instante fui tomado pela decisão mais sincera que tive e me fiz promessas. O tempo não perde por esperar.

DESCRITOS DA MÚSICA CLÁSSICA - FILARMÔNICA DE MINAS GERAIS

À orquestra Filarmônica de Minas Gerais

Preparação. Eis que uma multidão de músicos adentram o maravilhoso palco boca-de-cena, com certeza apaixonadíssimos pelo que fazem. Em fileiras paralelas, fecham-se num semicírculo todas as vozes que ressoarão harmonicamente daqui a instantes.

Anteriormente, no palco estão dispostos os instrumentos de cordas: à direita está o soberano da orquestra (apesar de ser o menor deles em tamanho), o violino, com sua voz à semelhança da humana é seguido pelas arcaicas violas, que representam as mais graves vozes femininas; à esquerda mais cordas, as mais graves delas por sinal, seguem os violoncelos entre as pernas dos instrumentistas e os corpulentos contrabaixos que emitem vozes que retumbarão como trovões.

Às costas dos membros de voz grave do quarteto de cordas (violoncelo e contrabaixo), se dispõem os metais. Os instrumentos busínicos explicitarão toda sua personalidade bipolar daqui a pouco, sobretudo o trombone: passam de sombrios à triunfais, de pujantes à cristalinos de acordo com o tono e a intensidade empregada em suas execuções.

No meio, centro do semicírculo, adiante do pódio do maestro, encontram-se as vozes límpidas das flautas e flautins, também os assexuados clarinetes (clarinetas ou clarnetos, dependendo da hora) os fagotes e claro, as vozes fanhosas dos oboés. Ao fundo, atrás dos sopros de madeira estão os “gringos” da percussão, o árabe tambor e as espânicas castanholas, ao lado do ilustríssimo tímpano e do primitivo triângulo. Aqui não há discriminação, todos desempenharão os seus papeis de maneira complementar.

Por fim, a harpa, o instrumento que proporcionou êxtase aos deuses do Olimpio, encontra-se acompanhada das violas, ansiando por ser dedilhada.

Hora da afinação: os instrumentos entoam um lá diapasonal. As cordas se tencionam pelos apertos das cravelhas e as boqueaduras dos sopros são ajustadas.

Os músicos e o auditório se acomodam, ansiando as primeiras notas com o olhos e ouvidos atentos.

Vai começar. O maestro Fabio Mechetti adentra o palco ao som dos intensos aplausos e com sua batuta segue em direção ao seu pódio. O silêncio geral se fez no Cine-Theatro Central em Juiz de Fora.

Ao comando do regente, as diferentes vozes se misturam num prelúdio vagaroso, porém com alma. Ele direciona por blocos os instrumentos afins, equilibrando-os em intensidade, assim dando vida à sinfonia. É impressionante como nada se perde, é impossível perceber uma só voz devido à homogeneidade da execução. Em andamento adagio, as varas friccionam as cordas com carinho, os instrumentistas de sopro beijam seus instrumentos com volúpia e os percursionistas massageiam seus preciosos, ao passo que o dirigente movimenta seus membros num ballet interativo maestro-orquestra.

O corpo sobre o pódio começa a vigorar seus movimentos e, num instante os tons pianos outrora emitidos, começam a gozar da sonoridade com força. As mãos dos músicos também se agitam: os cordistas punhetam seus instrumentos, as baquetas dos percursionistas somem em meio à velocidade, e os demais seguem entremeando virtuosas escalas às pausas breves.


O maestro se põe eufórico, agita-se. Seu corpo desloca-se de um ponto a outro com a destreza de um atleta, chegando a dar saltos para tal façanha. A música acelera, acelera... ao passo que a platéia prepara-se para o grand finalle. Os músicos aparentam dar tudo de si para um desfecho triunfal. Os cabelos se esvoaçam, o ritmo cardíaco fica à mil, até que notas destacadas crescem em intensidade, - crescem e crescem. Uma pausa mínima se faz durante o percurso dos stacattos... ...sendo sucedida pela última nota da noite. Esta em fortizzimo, estende-se por um compasso inteiro. Quando... novamente, ressurge o silêncio, que é logo interrompido por cinco minutos de aplausos vivazes em retribuição à magnífica apresentação made in Brazil.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Amigo de Gole...


Estava assim, meio caído, como quem espera o inverno passar e levar a tristeza que ele carrega em suas multifacetadas formas de se manifestar, quando um amigo me chamou para ver o horizonte. Ele disse baixinho: “- O mundo não termina ali.” Eu sorri, esperando a explicação, enquanto o sol corava nosso rosto. Do alto de uma grande montanha se vê a vida como se examina um mapa. Estava meu amigo sorrindo outra vez e dizendo: “- Vê os montes se elevando? Não são obstáculos a serem transpassados, são caminhos. Ora baixo, escuro e frio, ora alto, esplendorosos e com mais chances de ver além”

Eu me perguntava de onde vinha tanta sabedoria para alguém de tão pouca idade. Mas suas palavras me aquietaram a alma, fazendo do vazio que havia se instalado em mim, um festival de novas vontades e animadas esperanças. Ele me olhou outra vez e me chamou para percorrer a Terra. Não sabia como, entretanto tinha certeza que ele sabia. Voamos! É incrível saber que quando você esta disposto a aprender, seu corpo se descola do solo e você se torna capaz de vasculhar os recônditos de cada terra. Canto a canto, vimos os mistérios que nunca foram mistérios de fato. Meus olhos foram abertos, de maneira que o diferente tornou-se parte do comum.

Depois de transitarmos pelo mundo, paramos outra vez sobre uma alta montanha. Não estávamos cansados, mas parecia que não havia mais espaços em nossa mente que pudessem ser preenchidos. “Faz-me um pedido e eu te concederei o que desejares!” Tinha certeza que se pedisse riquezas e bens, meu amigo me daria. Mas vi um copo pendurado no sinto que usava e ousei em dizer: “- Quero beber das fontes do saber!”. Ele me olhou profundamente e perguntou se eu estava preparado para ir até a Sabedoria. Eu disse sim, que estava. Tirou de sua mochila um notebook, conectou um modem móvel e acessou o seguinte site: www . umgoledeideias . blogspot .com.

terça-feira, 14 de abril de 2009

CARTA RESGATE


A todos os homens,


Tenho que ser sucinta em palavras. Já faz algum tempo que sequestraram-me e finalmente obtive a oportunidade de expressar-me. Sei que a esta altura vocês deviam pensar que eu estava morta, mas não estou. E preciso de vocês para o meu resgate.


De imediato, deixo bem claro que estou enclausurada em local apertado e escuro, e me aflige passar um segundo a mais que seja aqui. Estou desidratada e desnutrida, no entanto, ouvi no rádio que portara um dos sequestradores, o quanto Guerra está corpulenta. E pior, soube que ela usa meu nome para alimenta-se de tudo e de todos, por vezes ainda passa-se por Santa e perpetuou-se em descendentes: I, II Guerra Mundial... Que pare aqui toda esta fertilidade!


Mas ela não agiu sozinha, não. Lembro-me de alguns de seus eliciadores: citar apenas um nome é crudelíssimo, visto que nações a veneram, ainda que isso resulte na transformação de suas terras em jazigos.


Por favor, peço-lhes ajuda. Depois de muito conversar os sequestradores entraram num acordo. Para o meu resgate, eles querem Justiça e pedem que libertem-na: estão nostálgicos por toda injustiça passada, assim como tenho saudade de estar presente em todos os campos que me recebiam tão bem – Velhos tempos.


Por que clamam pela Justiça? - devem se perguntar. Com ela em ação, eles dizem que seus ideais serão explicitados. Deste modo o direito que lhes cabem estarão presentes, demitindo assim muitos problemas.


Sempre me perguntei sobre o por quê de me aprisionarem; uma pessoa inofensiva e sossegada como eu, que sempre gozei de minha paciência silenciosamente, nunca a ostentando como fizeram alguns mártires da religião e da política. Mas compreendi, a partir de cada tortura que passei: pelo males maleficarium fui lacerada por cada ação que vocês, teres-humanos, exerciam tão desumanamente.


Quando escrevo aqui, “entramos em acordo”, realmente o fizemos, pois não vejo melhor maneira para minha libertação, senão pela ação eficaz que Justiça exercerá em sua tão almejada obra: sanar vocês, homens, da cegueirassaramago, para que possam enxergar eficazmente para os seus consanguíneos e atribuir-lhes seus direitos – ainda que tão subjetivos.


Aguardo ansiosamente por uma ação. Unam-se e, por favor, libertem-me (na)!


Paz.



PS: O que antes fora prólogo em Ensaio Sobre a Cegueira do intectual José Saramago, aqui cabe muito bem como epílogo: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara [homem]”.

domingo, 12 de abril de 2009

Aprendi enxergar


Memórias de uma dor impiedosa que deságua espumante no abismo negro de incompreensão.
Meus olhos já se abriram, uma visão transparente correndo no fluxo de um tempo que torna nossas vontades intangíveis.
Venci o maior inimigo do mundo, eu!
Com minhas asas invisíveis percorro uma trilha que não sei onde acaba, vôo sem ao menos sair do lugar.
Não quero respostas, estragaria o mistério. Da vida faço parte, mas não me mantenho atado a ela. Nem vendado nessas limitações.
Não me apoio em crenças ou filosofias de botequim. Não quero goles de ignorância.
Não sou superior. Não acredito nesse adjetivo.
Somos diferentes embora tenhamos atitudes em comum, faz parte da cultura que nos molda ainda pequenos. Influência inevitável.
Sou senhor do meu próprio templo, em mim se faz morada meus pensamentos e desejos. Lógicos ou não, nós nos entendemos bem.
Existo! Não sei se há razão ou se é obra do acaso, seleção natural, um deus ou sei lá o que mais.
Hoje enxergo alem do que o mundo me mostra, não me dizem mais o que pensar e o que fazer. As influências externas só me complementam, aprendi separar o bom fruto dos maus.
Sou parte simplificada da criação de um mundo complicado.

CRIADOR e CRIATURA



Meus sonhos eloqüentes revelam-me um anjo sem face, um adorno da perfeita realidade por mim reprimida, onde talvez se encontre a melhor parte de mim. Superficiais desejos lacerantes de minha agonia se perdem onde te encontro, verdades caladas que não ousaram sair sem saber das mentiras estuporantes que me tirava o centro.
Na busca por você eu me acho perdido, vagando sem propósito por devaneios astutos.
Por mais mórbido que me pareça, você terá vitalidade o suficiente para encher de prazer cada grama do meu ser e revelar seu apetite por detrás deste refinamento tolo. Um molde de barro que serve como armadura para esconder você do mundo, esconder você de mim.
Poderia voar contigo para os confins da terra pela eternidade e ainda sim seria pouco.
Não preciso de promessas e juras, quero apenas o momento; Pois o tempo, por mais que seja relativo, passa... e não volta, nos faz seguir para um caminho desconhecido sem garantias do passado.
Um toque quente para quebrar o frio que passei por anos procurando sem saber quem... Ate que encontrasse. Teria certeza que encontrar o que não se procura seria mais fácil. Isso se não fosse pelo fato da complexidade do tesouro buscado. Uma ferida rasgada os poucos pelas facas de sentimentos não correspondidos.
Por que preciso fugir para te achar? Não poderia ser mais fácil?
Não importa!
Percorro o caminho mais turbulento nem que seja para tê-la por alguns breves segundos.
Só quando penso que não existe o “para sempre”, é que percebo que tenho medo. Medo de acordar e ver que o sonho acabou, que tudo não passou de um sistemático jogo psicótico de um louco apaixonado. Ou que minha paixão era por mim mesmo, como um reflexo egoísta que não consegui evitar. Criando imagens deste anjo sem face que mesmo assim podia ser perfeita e atraente a ponto de me entregar a essa singular realidade para ignorar minha própria existência.

O dia em que o tempo me confundiu


Ultimamente tenho lido alguns textos falando sobre amizade, reencontros e afins. Nostálgico que sou é minha vez de falar nesse assunto. Falarei sobre o reencontro com meus amigos do colégio: Carlim, Jean, Jofran, Tatiane e Thamires. Com o Carlim e o Jofran encontro todos os finais de semana, já com os outros três, temos encontros esporádicos por aí. Não deu pra reunir a turma toda, foi um encontro arranjado às pressas na casa do Carlim, como se não desse mais para adiar esse reencontro.

Cheguei mais de 1h atrasado (meus atrasos estão se tornando um tanto constantes) e estavam os cinco reunidos envolta da mesa jogando baralho como há uns cinco anos, quando fazíamos isso quase todos os dias no colégio. Fui cordial, dei os três beijinhos nas meninas e um abraço apertado nos amigos seguido do comum tapinha que nós, homens, fazemos automaticamente. Tomei meu lugar à mesa, retomamos o jogo de baralho e começamos a colocar 5 anos de falta de convivência em dia; não mudamos tanto assim fisicamente mas amadurecemos bastante e muita coisa na nossa vida mudou, alguns trabalham outros não, mas todos estamos na faculdade.

Estavam sentados lado a lado futuros radiologista (Carlim), fisioterapeuta (Tati), enfermeira (Thamires), engenheiro (Jofran), biólogo (Jean) e professor de português (eu). É inacreditável que aquelas crianças que se conheceram na alfabetização ainda sejam tão amigos e estejam na faculdade! Depois de 15 anos de amizade estamos todos encaminhados na vida. Senti um orgulho especial pelo Carlim, pela Tati e a Thamires, no colégio eles não eram o que podemos chamar de “alunos exemplares”, e estar na faculdade é uma espécie de “cala a boca” a muita gente que não acreditava no potencial desses três.

De nós seis, quatro namoram há tempos, Carlim e eu somos os “desimpedidos” da turma. Gastamos um bocado de tempo com as reclamações sobre os namorados das meninas e outro bocado de tempo com os conselhos que, na verdade, não resolverão nada! Pra beber tinha refrigerante ao invés do costumeiro vinho e pra comer tinha pipoca, uma novidade entre nós, vorazes carnívoros adoradores de churrascos. Em algumas horas redescobrimos a afinidade de outrora, relembramos brigas, momentos extremamente engraçados e fatos curiosos. Até que, afinal, o tempo voou e nos preparamos para as despedidas, mas não tinha tristeza nem lágrimas em nossos olhos, sabemos que vamos nos encontrar mais cedo do que pensamos e não só nós seis, mas sim toda a turma.

Voltamos aos três beijinhos pra cá, outros três pra lá, aos abraços mais apertados do que nunca, abraços cheios de cumplicidade, daqueles que só amigos que conhecem os segredos uns dos outros dão ao se despedirem... O tempo voa, mas acabou nos levando de volta aonde tudo começou, com os amigos reunidos numa sala me senti novamente com 5 anos de idade dizendo “oi”, dando um beijo e um abraço naqueles que são meu apoio e que me acompanharão o resto da vida...

sábado, 11 de abril de 2009

PAIXÃO POR CRISTO (SIC)*


Depois do desfile empavonado que Jesus fizera em praça pública no domingo de ramos, sua fama vigora. Aumentara o número de fiéis, ao passo que construira mais ódio nos sacerdote e fariseus. Seus discípulos o vislumbra, ainda que descrentes – Jesus era autoritário e prepotente demais, ninguém o suportava, isso lhe rendeu o apelido de “Rei dos Judeus”(atenção às aspas).

Se havia alguém que Jesus pegava no pé, sem dúvida era Judas Escariotes. Não o deixava em paz, sempre armado com as mesmas indiretas sobre traição – Jesus achava que Escariotes tivesse um caso com sua amada Maria Madalena. Ao contrário da atenção que Jesus empregava para com o seu mais fiel discípulo, Simão de Pedro sempre sofreu descaso: antes da Páscoa, os pés dos discípulos jesuscristinos seriam lavados e claro, Pedro novamente fora excluído. Depois de muito insistir, digo humilhar-se, ele teve seus pés umedecidos. Entretanto, Jesus não deixou de dar os seus sermãos e embasando-se na sua bola de cristal, disse que este o negaria três vezes.

- Jesus tem andado meio estranho, lindo... digo, chato ele sempre foi, mas ele está se superando ultimamente. Outro dia ele veio com uma conversa de traição. Você tinha que ver como ele fitou meus olhos enquanto ostentava sua premonição – disse Judas.
- Comigo foi muito pior: ele disse que eu o negaria e ainda foi preciso em número – três vezes. Você Judas, bem que merece a desconfiança de Cristo, pois vive de olho na Madá. Mas eu, sempre fui justo.
- Pedro, Pedro. Jesus começou a passar dos limites. Nós somos quem mais o credita e ele não nos dá o mínimo valor. Ele vai ver só: ele não diz que seu Pai o notifica de tudo via e-mails mentais? Então, pois façamos dos seus devaneios realidade. O entregarei ainda hoje para os fariseus – ainda por cima ganharei algumas moedas em troca.

- Não! Você está louco! Não cheguemos a tal ponto... - Pedro pensou um pouco e logo concordou: Dividistes comigo as moedas?

- Claro! Mas você deve seguir o meu plano. Se pergutarem por Jesus, diga que nunca o viu.- E fizeram.

Depois que Jesus conspirou ainda mais sobre Judas com o seu discipulado, ele teve menos remorso em entregá-lo às autoridades. Só havia um problema: sobre qual causa Jesus seria incriminado? Mas isso não teve importância.

Mais tarde, num passeio com seus discípulos para além do Ribeiro de Cedrum, Jesus fora preso pela legião. Judas prevendo que nunca mais viria seu mestre, o beijou com toda volúpia. Na verdade, sempre que Cristo estava acompanhado de Madá, Judas a invejava – era louco por um cabeludo de barba volumosa.

Por fim, a professia se fez: Jesus foi realmente preso. Para seu azar, o sumo sacerdote tinha concordado com os judeus em ofertar a morte de um homem para o povo. Pedro o acompanhou na detenção como testemunha, o negou três vezes. Em plena audiência, Pilatos tentava revogar o atentado anticristo por não ter uma justificativa cabível, ainda que Jesus não descesse do salto com seu orgulho impostado. Com toda condescendência, Pilatos dizia não ver crime nenhum em Jesus.

Durante o julgamento, as vozes bradas da multidão de Judeus diziam que soltasse Barrabás em vez de Jesus. Pensavam inocentemente: entre um ladrão de galinhas (Barrabás) e um político corrupto (Jesus 70 x 7 – nº de campanha), que resgatemos o primeiro. Mas ainda assim, Pilates não havia se persuadido pelo povo. Foi quando alguém apelou para corregedoria: os judeus gritaram ameaçando-o: “se soltar Cristo não você não é amigo de César, uma vez que alguém que se faz rei é contra ele”. E não teve jeito: Jesus, condenado, sentou-se no Gabatá do tribunal e, o mesmo povo que o defendera almejando salvação foi quem exigiu sua crucificação.

Em sua paixão odiosa, Jesus teve suas vestes dividas em quatro partes, sua túnica lançada à sorte para o “bendito” povo que o martirizou pelas palavras. À beira-cruz avistou suas Marias, o que fez aumentar ainda mais sua tormenta. Quando Jesus percebeu que as escrituras estavam se cumprindo e logo morreria, ele em respiração estridulosa suplicou:

- Tenho sede. Dá-me um Gole...?

Depois de saciado o seu último desejo - com vinagre que queimara sua pele lacerada como brasa -, uma lança transpassou seu peito, dando cabo ao tormento que o assombrava em seu leito perpétuo, a cruz. Ao passo que as lágrimas das Marias umedeciam o solo, Judas arrependia-se amargamente por perder seu amado. Futuramente veio suicidar-se, tamanha era sua angústia trágico-shakeasperiana. E consigo, morreu o segredo de sua traição: “se não podes ser meu, não serás de mais ninguém”.

Atualmente, uma grande parte da população mundial diz amar Jesus Cristo
acima de quaisquer coisas - para decepção do enciumado Judas. Pobre dicípulo.
***
* Segundo informações coletadas (sic).

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Acabou o BBB!



Acabou o big bróder, e agora? E estava tudo tão certo. Acabava minha lição obre a orientalidade com Glória Peres, e começava o show da realidade. Realidade? Todos os conflitos daquele mundo de câmeras são mesmo tão reais? As realidades se confundem, já nem sei mais o quanto de mim acabou neste ano.

Lembro-me bem de quando começou isso tudo. Acompanho tudo desde a primeira edição. Não é muito de praxe na comunidade dos pseudointelectuais a que pertenço assumir que assiste a tais programas, mas eu não me importo. Na verdade me importo sim e quero chocar um pouco! Desde muito antes eu dividia comigo mesmo a opinião de que aquelas realidades a mostra na telinha são pouco reais. Eles produzem as roupas, cortam os palavrões ditos, fazem “Merchant” de tudo, e na edição final tudo ganha uma musiquinha. Seria legal se minha vida tivesse um diretor de fotografia, e também um musical... mas não é bem assim. Talvez este seja o ponto base desta redação: o mundo de realidades que seriam ótimas se fosse as minhas. O que quero ver quando quiser fugir da minha realidade.

Os elementos dessa fantasia televisiva são muito convincentes. Os amores parecem eternos, e as despedidas traumáticas ao extremo... Está certo que aquela moldura poética do Bial ajuda um pouco... Mas a classe com que os vilões choram, com que as abandonadas lamentam, é coisa de Nelson Rodrigues! Depois quando eles finalmente vêm pro lado de cá, tudo murcha. Tudo dura o tempo suficiente a uma bela capa de revista, seja ela vulgar ou não. Quando os “brothers” passam a porta e encontram o mundo são facilmente execrados pelo nosso esquecimento.

Da realidade que sobra vejo os resquícios das câmeras... Na rua, no condomínio, na escola, no portão de um prédio, no meu computador, nas lojas, estacionamentos... Tudo que for existir há de ser registrados, e se for interessante que seja logo postado no “youtube”, nosso representante real e anônimo do falecido big brother. Mas ano que vem tem mais. Resta-nos esperar e fingir não gostar pelo resto do ano, e assistir meio de canto de olho ano que vem. Afinal “reality show” é clichê demais para ser considerado culto, não é?

PROTESTO


Com o discurso sintetizado, protesto o meio presente de expressar-me. Se as palavras ao decorrer do texto se agregam aos hiperbólicos adjetivos, corro o risco de ser piegas e, claro, prolixo. Se os períodos se alongam, recorro às virgulas para passar melhor compreensão e organização: que as ênfases prosódicas me protejam! Se excedo em número as palavras: ou nada dizem sobre tudo, ou tudo dizem sobre o nada. A frase última, que tem consigo a responsabilidade de um belo desfecho, obriga-me a prolongá-la ao findar deste texto que, por sua vez, não queria se acabar.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Um Mini Conto



Todo mundo dizia que eu não tinha jeito. Ela veio e deixou todo mundo desconcertado. Eu não tinha caminho. Vagava triste, solitário, achando que tudo era uma grande merda que boiava naquilo que eu chamava de oceano de oportunidades controversas. Ela me mostrou que o céu é tangível e me ensinou a tocá-lo. Ela não é maconha, mas é inebriante, viciante. Ela é o retrato da perfeição feito pelo lado oposto do que não é belo. Eu sorria todas as vezes que acordava ao seu lado.

O BEM PRA VOCÊ


À Cecícila Farah, com carinho


“Parabéns para você...” - Desentoados, todos cantam.


Ah, não. Muito clichê. Por vezes, a tal canção nem soa mais verdadeira. Existem pessoas que vem cheias de amor, que nem ao menos nos olham nos outros trezentos e sessenta e cinco dias do ano.


Pois então... prefiro escrever-lhe a oralizar, em vista de ser algo memorável, que excederá o “da boca pra fora”.


Mas, deixando as explicações de lado... O que tenho a dizer, é que este rito de passagem “dos 21”, representa algo maior que simplesmente uma vida, senão várias destas: sua delicadeza encanta e proporciona para muitos uma rica construção sócio-histórica. Obrigado por colaborar para edificação da minha.


Nesta data querida, tão almejada, desejo-lhe o indesejável, os ditos sonhos intransponíveis. Que para você, estes sejam algo facilmente realizável.


Muitos anos de vida, para você e, consequentemente para os privilegiados que se orgulham de ter sua amizade – porque viver ao seu lado, é poder a cada dia ter mais vontade de seguir em frente


Daquele que te felicita, com carinho.

A BIOGRAFIA DA FOLHA, POR ELA MESMA

Essa estória é sobre a pequenina Folha de Ramos Álvares. Órgão laminar que dotada de forma simétrica bilateral e coloração verde, matuta sobre suas experiências no seu leito de dor, o solo.

***

Depois do orvalho gélido que me torturava como uma judia no holocausto e do frio cortante que passei no inverno, pensei que poderia enfrentar qualquer coisa à posteriore. Nada seria difícil depois daqueles quatro meses – otimista eu refletia. E errei.


Entretanto, benditos foram os dias que vivenciei na primavera. Em companhia das mais formosas flores, gozava a minha juventude.


Oscilante perante as brisas que massageavam minhas bordas, eu entoava sons sibilantes em sintonia com minhas irmãzinhas e o meu amigo Cigarra - que estridulava em um galho sinuoso, vizinho ao meu. Vivaz, eu sempre brincava com minhas irmãs: as Folhagem, provenientes da minha estirpe, não apenas cantavam retumbantes, como também dançavam aos seus próprios sons.


No ar puro, do qual eu também me alimento, presenciava o planar dos finos pós que esvoaçavam das floríferas (geratrizes das Flores), depois do breve toque de uma abelha entremeada de listras amarelas e pretas. Era lindo poder presenciar a primeira fase das muitas que perpetuam a minha espécie! Ah, que maravilha é a fecundação!


Mas, nem tudo são flores: por conseguinte viria o verão.


Dizia minha Mãe-Terra (na verdade, madrinha): “ - Passaremos por intempéries” - alertava-me. Naquela época de calor e pouca chuva, eu me rendia ao sol escaldante ingenuamente: punha meu biquíni para me bronzear e me divertia muito, principalmente com minhas irmãs - todas desnudas para que não ficassem tatuadas por queimaduras do astro rei, o maravilhoso Sol.


Eufórica com as chuvas torrenciais e momentâneas clássicas do veraneio, às vezes fitava os Galhos que se punham estáticos: Tentava entender o por quê de todo aquele pessimismo. Eles, bem mais velhos que nós, as jovens Folhagem, preocupavam-se com os efeitos da presente seca. Não por motivos próprios, pois resistiriam facilmente a escassez de água naquele momento de aridez, enfrentando tranquilamente o que estivesse por vir. Ainda assim, suas preocupações reinavam inquietantes para conosco.


Nunca compreendia os Galhos, visto que éramos seus para-raios-solares. Nós os cobria, não por respeito aos seus altos escalões hierárquicos (uma vez que dependíamos dos Galhos para sobrevivermos), mas sim, pela nossa simples disposição espacial (éramos superiores a eles, ao menos nesse sentido). Sorte a deles, de viverem na sombra e com água fresca. Deste último privilégio eu nem reclamo, pois eles sempre me guarneciam com tão precioso e nutritivo líquido cristalino.


Mas o tempo passou mais uma vez, levando consigo outra estação. A época que não agradava os Galhos chegou: É outono.


Agora é tarde demais, posso presenciar o sucumbir de algumas irmãs que dispunham-se mais altas que as demais, na Mãe-Árvore (a biológica). Com maior proximidade ao Sol elas secaram-se mais rapidamente.


Atualmente senil, sinto-me seca, com minhas lâminas atrofiadas. Percebo que o meu caule não mais possui o mesmo tônus que eu esbanjara em estações passadas, sobretudo nas danças empavonadas da primavera. Pendente, a qualquer instante corro o risco de desprender-me da minha morada e assim perder minha fonte de energia.


Seguidamente, tive dois pesadelos aonde agonizava num solo fétido (talvez o próprio húmus) e posteriormente era dilacerado por numerosas Piaçabas à comando de um cabo rabujento. Em seu fardão, na linha do tórax, contralateral a algumas condecorações e um brasão, estavam grafados em maiúsculas o seu último nome subsequente ao seu título militar: CABO VASSOURAS. O que um cabo fazia comandando um exército, creio que nem Freud explicaria. Mas... fazer o quê?


Um alarme: Vejo a haste que sustenta minha irmã mais próxima, sobretudo melhor amiga, se romper. Agora sinto-me ainda mais ameaçada. Algo me sufoca, me aflige. Num instante minha vida vegetal passa diante dos meus olhos. Olhos? Não os possuo, mas posso enxergar todas experiências que senti no meu corpo laminar que pulsa o verde remanescente da minha seiva, agora quase extinta.


Seca, caio de maduro (expressão usada por alguns amigos frutíferos). Do galho superior número três, ramo segundo do galho afluente à esquerda, eu despenquei até o solo - não rapidamente como havia dito “ de maduro”, mas lentamente.


Nos meus últimos segundos, eu usufruía da bela vista do lindo jardim que recendia o perfume das Rosas – por sinal, também lindas.


Ao tocar no solo molhado e negro, agonizante e pronta para o meu sucumbir, deparo-me à uma irmã - a mais velha delas. Ela conforta-me com a última mensagem que fora por mim ouvida, antes que eu olvidasse de toda minha existência pelo padecimento:


- Acalme-se – disse ela em voz macia. Estamos fechando o nosso ciclo para possibilitar o início de novos outros. Lembra-se do sorriso que radiava brilhante na sua face quando presenciara a fecundação dos óvulos pelo pólen adejante? Pois bem, estamos numa situação parecida. Esta mesma terra que gela sua barriga achatada e simétrica, que exala imenso fervor quando fornece água aos sorvos à raiz de nossa Mãe-Árvore, que por sua vez nos nutria: pois seremos nós. Transmutaremos-nos neste produtivo solo, que nunca morrerá, pois é dotado da imensa responsabilidade de dar anos às vidas dos filhos de nossa Deusa, a Natureza.

***

A folha, agora repleta de experiências de todas as épocas do ano, olha para cima, fita sua Mãe-Árvore desnuda de folhas, olha ao lado suas numerosas irmãs estendidas no solo e compreende que: viver é acima de tudo perpetuar a vida.


Outono de 2009

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