Dor e ódio juntos levam-me ao arrependimento de uma vida. Melhor dizendo, arrependimento das muitas vidas que eu roubei, pois sou um ladrão de almas. Tenho um prazer deleite em sacrificar todos aqueles que causaram algum mal nessa terra. Sim, eu sou um justiceiro, mas meus atos pararam por aqui, no cárcere. Meu corpo está debilitado e aprisionado, contudo meu espírito continua seguro e com seus ideias vivas. Pensando bem... eu não estaria tão arrependido.
Sou o Robin Wood da modernidade! Não roubo dos ricos para guarnecer pobres, todavia elimino assassinos, evitando que lágrimas se derramem antes de serem enxugadas. Ainda assim, sou considerado perigoso por fazer justiça com as próprias mãos. Fui extremamente perseguido, enquanto os verdadeiros ladrões de almas inocentes foram esquecidos... Além disso, deram-me nomeações nunca desejadas: Matador, Maligno, Psicopata, respectivamente ferindo minhas ações, minha moral e minha mente. Hoje vegeto entre metais paralelos que simplesmente matam-me aos poucos - e aos outros, pois cada dia nessa cela representa a morte de algum inocente.
Tudo há um lado positivo. Atualmente posso ser a minha própria cobaia, o meu material de pesquisa. Como bom psicólogo que sou (ou que fui: reformado) não deixo de avaliar o comportamento humano nem por um minuto. Agora posso ver meticulosamente todas as falhas no nosso sistema penitenciário. Isso aqui mais me parece uma pós-graduação em periculosidades do que um esquema reabilitador. Aqui se entra mal, sai-se um demônio. A falha do sistema é dar murro em ponta de faca: como dar consciência moral e construir valores em personalidades formadas num mundo de trevas? Como reabilitar indivíduos que não têm percepção das suas atrocidades, pois o mal (roubar, matar e destruir) nesse ambiente é encarado com naturalidade. É por isso que fiz das minhas próprias mãos a solução.
Algumas pessoas acham que eu sou um louco, apenas porque troquei uma vida tão estável no comodismo militar, por aventuras sem retorno ou futuro algum. “Por quê?” – todos pensam. Talvez o sangue das minhas vítimas-algozes me alimentasse. Além do mais, por ter certeza de que esta seria a solução. Leitor, minhas palavras agressivas podem estar definhando minha credibilidade, mas não sou um militar moralista louco! Entendam: eu salvei numerosas vidas, eliminei muitas tristezas alheias, promovi e perdurei o bem-estar de inúmeros familiares que subitamente poderiam vivenciar o caos pelo luto deixado por um criminoso.
Resumidamente, a grande maioria dos profissionais trabalha proporcionando afeto, eu trabalhei evitando ódio: conflitos e traumas nunca foram vivenciados pelos meus não-pacientes, graças a mim. Eu curei a depressão de muitas mães, por elas não perderem os seus filhos. Guardei a honra e a dignidade de muitas mulheres, por elas não serem violentadas e estupradas.
Hoje as pessoas me estigmatizam como um insano, como um militar retardado pagando o preço por tentar ser deus. Freud, em seu tempo, também não teve merecido valor com seus estudos em torno da sexualidade; ainda assim, atualmente até a corrente mais anti-psicanalítica deve de beber seus ensinamentos. Talvez o mundo ainda não esteja preparado para me compreender... Quem sabe eu não tenha nascido um cientista póstumo?
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- Doutor? Ai meu Deus! Doutor!? Você está me ouvindo?
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Vindo de uma visão embaralhada para a nitidez, dos sons distantes e repetitivos como um eco para uma estabilidade sonora, o Doutor foi retomando sua consciência. Ele despertou de um transe induzido, realizado por sua secretaria sob suas orientações.
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- Quanto tempo eu fiquei apagado? Duas horas e meia?! Como pode me deixar assim?! poderia ter entrado em coma. Tive alguns insights tenebrosos, pude sentir na pele o que é estar encarcerado. E ainda estou meio afetado com esse meu eu justiceiro. Entretanto o que mais me arrepiou foi estar perto deles.
- Deles quem, Doutor? Ai, fiquei tão preocupada. Pensei que não voltaria mais: os seus olhos estavam com movimentos rápidos e paroxísticos; falava sobre coisas estranhas, como assassinatos e prisão; além disso, o senhor babava muito. Fiquei temerosa. Tive que até desmarcar dois pacientes. Não me peça para fazer isso de novo, por favor. ...Mas pertos “deles”, quem?
- Melhor, não. Você não poderia entender. Isso precisaria ser sentido. É uma longa história que rende um ótimo ensaio.
Meninos, vocês andam inspirados! rsrsrs
ResponderExcluirMe perdi na quantidade de textos que ainda nao tinha lido.
Jonatan, eu sabia que, no fundo, você sempre teve vontade de ser um heroi moderno! rs zoa
Que fim não-fim!
Imagino uns papéis rabiscados com uma seta imensa ligando a última frase - "É uma longa história que rende um ótimo ensaio"- ao título do texto -"Cárcere ensaiado"-. Como se sugerisse a repetição da leitura infinitamente.
Gostei!
Moema... adoro os seus comentários... Sempre enriquecedores... Adorei a observação do título...
ResponderExcluirFim não-fim.. rs Adorei isso também. rs
Bjao!
QUe credibilidade tem um louco, rec´me entorpecido, dizendo que o próprio texto/ensaio que acaba de escrever é ótimo? rs...
ResponderExcluirTinha que ser você mesmo!
Gostei dessa alucinação às avessas! Eu gosto dessas inversões... você foi feliz nessa experiência.
Bravo!
Não sabia que maconha dava isso, nao?! Rs... Bem, versão Gole de Matrix. Bom, texto!
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