Finalmente cheguei ao aposento em que todos me esperavam. E o pior é que tinha que manter minha cara de satisfação fingindo não desconfiar de nada. Mais um ano em minha vida... Mais um ano de coisas iguais! Adentro o aposento escuro, as luzes se acendem, e meia dúzia de amigos, mais outros parentes, cantarolava o famoso parabéns-pra-você. As cores daquele lugar, que muitas vezes tomei meu café da manhã sozinho, agora cheio de gente feliz me angustiavam lentamente. Disfarço o suor que transpira em minha testa, e esboço um sorriso cordial em resposta; e com o pensamento firme na ideia de que em breve tudo aquilo irá acabar, segui concordando com a festa que me invadiu em plena maior idade.
Esse dia já começou contraditório. Lembro da primeira imagem que meus olhos presenciaram: minha mãe... Como em todos os últimos anos que minha memória não esqueceu... Sorridente afirma os votos que sempre me causaram rubores nas faces. Hoje não diferente me enchi daquilo. Disfarçadamente acordei e me desculpei de qualquer forma dizendo que passaria o dia fora. Minha bicicleta, a única amiga daquele dia... Não quero mais ver ninguém. Passei o resto da manhã que faltava e um começo de tarde pedalando... Já cansado me acostei sob uma árvore e abri o celular... li algumas das mensagens que me diziam o mesmo.
A tarde ainda muito acesa me angustia por demais. Tento esboçar algumas reações surpreendentes: e se eu voltasse e encarasse as ligações, os apertos de mãos, os abraços de sempre; mas logo me convenço das memórias esquecidas, da tradição do não. Hoje é mais um ano de minha vida, que hoje apesar de curta, me transborda. Estou cheio! Cheio de lembranças por fazer...
Mas confesso que nuns momentos mais calmos chego até a gostar dessa atenção toda. O Orkut deve estar fervilhando de amigos a me cumprimentar... Penso em passar na casa de alguém... Talvez um amigo menos preocupado com a data, uma garota que tenha beijado alguma vez, uma relação mais superficial que me poupe do que já estou cansado de saber: os anos passam, e em breve minha cara demonstrará isso. É isso que vejo: uma cara com rugas rachadas, um velho professor de língua vernácula que foge do mundo no dia que celebram seu próprio nascimento... E que recita incansavelmente os versos famosos de Casimiro de Abreu: “Oh ! Que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida...”
E num fim de tarde quase que perfeito de memórias e solidão, fui encontrado. Um amigo veio com um papo de que precisava conversar e nem se lembrou de me felicitar pelos anos vividos; comovi-me e logo me dirigi pra minha casa na intenção de comer algo e novamente sair... Finalmente cheguei ao aposento em que todos me esperavam. E o pior é que tinha que manter minha cara de satisfação fingindo não desconfiar de nada. Mais um ano em minha vida... Mais um ano de coisas iguais!