Rancor, medo, ódio... nada disso possuo. Sou um homem de ferro, melhor dizer, uma coisa de ferro. Ainda assim, quando desejo, não há ninguém que possa me persuadir a não concretizá-lo. O que quero agora? Um coração. Mas quero um bem novo, longe dos entraves da vida adulta ou das moléstias da senescência. Além disso, quero um coração distante dos sentimentos malignos que assolam o homem.
Andei vendo muito aquela caixa que fala, talvez seja televisão o seu nome, e aprendi que, no final, o bem é superior - apesar de sempre sair-se mal na maior parte do tempo. Aprendi, também, que apenas no coração jovem se habita a inocência, bem longe do mal. Porque falo disso? Quero ser bom, mas antes preciso apenas ser. Pois existo num vazio... Vagando em minhas ações que não têm sentido, pois estão mortas. Nem morto posso estar, porque simplesmente não possuo o dom da vida!
Minhas irmãs, moças para quem sirvo, dizem me amar. Ainda nem entendi o que é isso, mas elas falaram que, por causa disso, fariam qualquer coisa por mim, que dariam mesmo as suas vidas por/pra mim. Nunca fiz nada para merecer isso, apenas vago no existir, cumpro os comandos que o Pai determinou.
O Pai foi trabalhar hoje cedo e disse: “cuide bem das minhas filhas”. Senti um aperto incompreensível no meu peito. Segundo a caixa, isso seria psicogênico, mas tão tenho coração, tampouco alma. Então, porquê sentir algo? Só sei que percebi que as irmãs eram muito significativas para o Pai, bem mais do que sou. Devoto tanto ele, mas as irmãs sempre mencionam o odiar. O Pai as proíbe de algumas coisas afirmando ser para o bem delas, mas elas nunca se conformam. Também não entendo o por quê do Pai as amar tanto. Claro que sei: elas têm um coração.
Uma frase ecoa: “fariam qualquer coisa por mim”... Como num filme da caixa, peguei o machado do Pai e fui ao encontro dos jovens corações. Elas diziam: “O que vai fazer? Não faça isso! Está louco!” Mas minha loucura era saber se aproximar do que o homem tem de racional.
Os corpos inanimados das irmãs sobre as poças de líquido vermelho me parecem tão belo. Pai deve ficar orgulhoso de mim. Agora EU tenho um coração, um não, dois. Agora o Pai vai me amar mais do que tudo ou todos.
Na minha mão vejo o precioso órgão. O que os sábios diziam guardar a vida, mas me parece tão morto. Ele não é de perto tudo o que falam, mas agora possp sentir coisas estranhas... Algo escorre dos meus olhos e parece alguma coisa deu errada. Vou ao encontro das minhas irmãs. Elas estão mortas e eu não consigo me controlar: sofro pela primeira vez. Sinto uma dor imensa no meu peito, nos meus novos corações. O Pai não vai gostar nada disso! Agora já é tarde demais, com o arrependimento eu vou viver com a esperança de um dia a morte me aliviar.
Dois assassinatos, a machadinha(me lembrou o velho jogo "Detetive")! Moda antiga.
ResponderExcluirAhh, eu gosto tanto das fantasias do mundo do Mágico de Oz...Guardo boas recordações do homem de lata, coisas fantásticas demais pra minha idade mas que quando criança, me fascinavam.
Tenho que dizer que esse novo roteiro pra um monte de ferro caiu super bem. Muito mais perto da realidade, muito mais humano.
Você conseguiu fazer dele humano!!! Com inveja, ciúme e ingênuo ainda nos assassinatos! Mais vivo do que isso?! Será possível?! Ele nem precisava de um coração, mas se nao fosse essa busca eu nao ia ficar sabendo dessa história!
Muito, muito, muuuito bom!!!!
Aplausos de pé.
E eu com a inocente ideia de que você tinha comprado, ou conseguido doado, um orgão tão importante emocionalmente... Procurei na internet, antes de ler, um protocolo para solicitação de um também... não aceitavam mastercard na compra e não tinha grana que validasse isso por ora. Acabei por ler o truculento homem vazio e sua fria e fantástica aventura Frankenstein em procura do não-físico...
ResponderExcluirÉ... fantástico é isso que li!
Muuuuito bom mesmo! Parabéns!
Abraço, amigo!
Nooossa! Que trágico! É bem certo que apredemos quando o sangue já escorre de nossas mãos, não é verdade! Espero que eu não tenha de matar ninguém para achar que devo mais atenção ou ser amado por alguém. Bem, matar, talves, o (!) não seria um má ideia, rs... Bom texto, Jonatan!
ResponderExcluirSó por desencargo de consciência, essa parte sobre ele pegar um machado e ir atrás das irmãs, foi inspirada na famosa cena de "O Iluminado", em que Jack Nicholson fez isso, né?
ResponderExcluirSeu texto foi fantástico, cara, escrito de forma simples, mas instigante.
"O Pai", "caixa que fala", ótimas sacadas!
Excelente texto, sinceramente!
Parabéns, amigo!
Valeu, Lucas... Seu cinéfilo... rsrs... se eu assisti esse filme com esses artistas nem me lembro... Este texto foi baseado na imagem mesmo: associação livre.
ResponderExcluirAbração... Obrigado pelos comentários motivadores!