Gel no cabelo, perfume número dois, calça e camisa social... Tudo isso para me encontrar com o “Dr.” Francklin. Não, não sou homossexual, fui apenas a uma consulta médica que, por sinal, não era nada de rotina. Também não fiz o exame de próstata (nada de ir ao “oculista”). Era algo de maior gravidade: seria divulgado o resultado da minha tomografia computadorizada.
Chegado ao consultório, logo percebi a conversa desconcertada, clássica dos médicos, aquela do tipo que omite alguma coisa ou, então, floreia os assuntos mais desérticos. Sempre fui realista e diretivo, sendo assim, não abri mão do verbo: “por favor, sem titubear, Doutor! Seja claro e não esconda nada de mim. Sei que não fiz uma tomografia pra saber se peguei sarampo, a coisa aqui é séria. Diga, logo, quanto tempo eu tenho de vida?!”
Como sempre foram feitos os rodeios protocolados da medicina, justificados pela tal da humanização: disse que, muito além dos dados estatísticos (os meus 13% de sobrevida), o ser humano vislumbra da sua singularidade. Mas no final estimou logo os meus últimos seis meses. Fez, ainda, um discurso sobre fé, discurso este que elevaria qualquer percentual para os 100% - isso para quem fosse cristão, entretanto, sou ateu.
Havia alojado em minha cabeça um tumor, uma bomba relógio que contava regressivamente o término de meus dias. Conduta médica: neurocirurgias, medicamentos, internação hospitalar... Minha conduta: viver intensamente os meus últimos dias, na minha casa e com minha família. Dos remédios não pude escapar: as náuseas e os desmaios do meu quinto mês em diante eram constantes.
Depois daquele dia de constatação diagnóstica, fui para casa e me “internei” no meu quarto. Lágrimas de luto, do meu próprio luto, foram derramadas. Fiquei reflexivo com pensamentos que oscilavam do vazio ao excesso de informação num segundo. Uma noite sem dormir, com a minha família apreensiva no andar térreo da minha casa, mas tudo que eu queria era um tempo de solidão para o balanço de uma vida inteira. No dia seguinte, peguei papel e caneta e escrevi tudo o que teria que fazer nos meus próximos cinco meses.
Vivi intensamente com minha família, tive a oportunidade de dizer o que jamais antes fui encorajado a fazer, perdoei meus inimigos, sai com minhas amantes, comprei um carro importado, saí da dieta... Eu estava lidando tão bem com a morte que assustei muitas pessoas por perto: eu comprei o meu caixão, de mogno e lindo! Mesmo entrecortado de angústias lacerantes, mesmo com os circuitos de uma bomba maligna me tomando; eu vivi, em pouquíssimo tempo, a melhor fase da minha vida. Uma fase repleta de amor, respeito, valorização e perdões.
Já convalescente ao leito de minha cama, paparicado por uma ótima equipe de cuidados paliativos, quis muito que o meu diagnóstico tivesse saído um pouco mais precocemente; não pela cura, mas decerto pela antecipação do nascimento do novo ser que havia emergido em mim diante da contagem dos meus últimos dias.
Trágico! A realidade é mesmo trágica. E o gole veio pingando sangue apesar da morte não anunciada... ela estava permeando as palavras... do início ao fim.
ResponderExcluirQue parâmetros um médico usa pra avaliar o tempo de vida de um paciente? Se espiritualizarmos esse olhar ele nem tem muita valia. (não é isso que fiz, nem farei... é só em nome de uma boa contradição!)
Ótimo gole!
Parabéns!
Bom hein... Mas q pena q o 'cara' só soube oq é VIDA qnd tava prestes a morrer... Por isso q eu falo! Vivam!!! Se divirtam e amem! Não há nada melhor.. =D
ResponderExcluirBravíssimo! Doses certas e inebriantes de humor e tragédia.
ResponderExcluirTe invejo - no bom sentido! - por ter escrito tal Gole assim.
Surpreendentemente bom! Deu até vontade de saber quando vou morrer
para curtir a vida dessa forma tão bem propagada. Você foi feliz em
cada palavra que usou. Parabéns pelo texto.
P.S.: Foi o livro, não foi? rs...
Cara, seu texto parece muito com aquele que o Alexandre escreveu, cujo nome não me recordo neste momento. rs
ResponderExcluirEste texto deveria ser anexado a algum livro sobre como aproveitar a vida, ou o que resta dela, para pessoas que sabem que vão morrer!
Mas serve também para nós, gente que, teoricamente, vai durar muito tempo...
Podemos começar a aproveitar a vida, de verdade, desde agora, já que não sabemos quanto tempo nos resta neste mundo!
Ótimo texto, Jonatan, de verdade!
Ficou um tempo sem postar nada, mas voltou em grande estilo, hein? rs
Parabéns!