UM GOLE DE IDEIAS

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.: Um Gole De Ideias :. -> Dois anos no ar!

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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Condenada

Vera,

Sei que me deixou esse e-mail para agarrar-me às tuas coisas caso tivesse coragem em romper com as minhas. Ainda não é isso que faço agora. Meu casamento, como sabes, é controverso a tudo que sonhei um dia. Evitarei os nomes aqui, confio na tua discrição, mas duvido da passividade do seu senso de justiça. Antes de começar o que me trouxe a frente desta tela, aqui no centro da cidade, foi um peso que tenho aqui. Não preciso da tua opinião, acho que já consigo imaginar o que tens a dizer. Sei que o tempo que esteve por aqui percebeu que meu país é muito religioso. Eu sou uma afegã íntegra e mantenho-me firme nos meus preceitos religiosos que em tudo crê na instituição do casamento.

Não conhecia meu marido antes do casamento. Nunca o tinha visto e confesso que a primeira vez que nos vimos, na cerimônia, achei que pudesse ser feliz com aquele homem de traços rústicos. Desde que fomos para casa. Desde o primeiro dia de casada, percebi que não seria tão fácil assim. As outras mulheres de minha família me ensinaram a seduzir, mas me ocultaram aquele tom triste que agora entendo no olhar de cada uma. Na nossa primeira noite ele me possuiu com uma certa delicadeza. Não me incomodava o ofício de servir.

Na última tarde vi o que meus olhos ainda teimam em negar. Uma menina. Uma menina, Alá! Quando cheguei em casa, todas as portas estavam fechadas. Estranhei já desde o quintal. Fui entrando com poucos ruídos e escutei uma voz abafada que parecia implorar por socorro. Foi horrível! Quando entrei em nosso quarto, ele segurava as mãos amarradas de uma menina enquanto introduzia o seu sexo nojento nas partes dela. Aparentemente cinco anos. Ele me ameaçou quando me viu. Saí trêmula do meu quarto. Minhas pernas cambaleantes mal sustentavam meu corpo. Tentei orar, mas não me concentrava em nada. Quis chamar algum ancião que me desse razão, mas não acreditei muito nessa possibilidade. Entendi os vincos nos olhos de minha mãe. Imaginei tanto sofrimento ocultado na vida de cada afegã que você escreve nos teus relatos, Vera. Escreve isso aí.

Isso aconteceu ontem. Ainda ontem voltei a minha casa depois de duas horas. A hora que fugi ainda estava a sofrer com aquela criança. Saí de casa com a pele dela. Quando voltei era eu a estuprada. Imaginei que ele fosse tentar me explicar, mas o ímpeto de homem o fez resignado da culpa antes mesmo de tê-la. Olhou pra mim feito um feitor que escolhe a melhor cabra. Pediu que me aproximasse e num ímpeto levantou minha burca. Desafivelou seu cinto. Livrou-se das calças e da roupa de baixo. E sem nenhuma palavra doce enfiou-me seus princípios junto com a falta que ele passou a representar.

Hoje me sinto merecedora de paz e não a tenho em meu lar. Hoje quando amanheceu evitei olhar pro lado esquerdo de minha cama. Levantei-me e fui me lavar. Senti a coragem entrar pelos poros junto com a água. Cada palavra que aqui escrevo pensei no banho. Não saio desta vida desgraçada a menos que ele me mate, eu sei. Devo ainda assistir a inúmeras cenas como a de ontem. O que quero é poder contar a você o que não entendia ainda quando me conheceu. Vera, não tenho muito mais tempo por aqui. Desejo sorte com os teus escritos. Volto a lhe escrever quando puder.

Salamaleico.

Um comentário:

  1. Fabrício lembra quando eu te disse que cartas são mais avassaladoras que a própria literatura?!Cartas são pra mim – e creio que se estenda em outras pessoas também - um mudo grito. Um grito de cansaço, de amor ou de puro desespero como essa aí.
    Os sonhos dela, a passividade dela, o seu senso de realidade fazem com que ela me lembre uma galinha de pescoço mal cortado. De olhos arregalados ela, acredito, se pergunta “Então, isso sou eu, meu Deus!?” E essa pergunta ela faz para você,Fabrício.Talvez só você a ame.
    Você conseguiu ser excruciante.
    Ass: John Rômulo

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