Foi quando ela entrou. Percebi sua presença, mas resolvi ficar imerso ali naquele romance que manuseava. Lembrei que ela sabia os motivos pra me convencer a uma briga e torci pra que não lembrasse. Ouvi os passos precisos que ela deixava no piso ao meu encontro. Meteu a mão destra no meu livro e abaixou um pouco o queixo com um ar decidido enquanto me olhava nos olhos. Não sabia o que esperar, confesso que gostei daquele ar voluptuoso que me olhava. Passei pelo decote com olhos atentos e em clima de luxúria ela pedia que eu batesse. Mastigava as frases libertas de um passado ciumento e pudoroso.
Depois de alguns movimentos de ar pela sala notei que ela havia entrado há alguns instantes. Não sabia bem que olhar era aquele, mas o jornal que lia me atualizava do momento econômico da Colombia e não estava nem um pouco interessado em interromper aquilo. Ouvi ao longe uns passos arrastados e um barulho de garrafa abrindo. Por cima do jornal vi um caminho marcado por acessórios que indicavam a cozinha. Abandonei o jornal e depois do selinho de costume ela me interrogou sobre o cartão de crédito. Na mesa da copa passamos pra assuntos ainda comuns e fizemos amor naquele tom de coragem e rotina.
Logo após me assentar na poltrona favorita, bem após apoiar minha revista de esporte na barriga e arrumar meus óculos no nariz, ela chegou. Vi de longe aquele jeito preguiçoso de dizer que me ama. E o meu jeito automático de repetir o mesmo. Caminhei o longo corredor a lhe lembrar do jantar de confraternização do meu emprego. Ela insistia em falar dos alunos. Lembro de quando ela chegava e fazíamos amor. Senti que uma melancolia ofuscava meu olhar. Pensei em retornar a minha revista, mas ela parecia querer me dizer algo. Nunca vi desmanchar esse tom preocupado que ela tem. Disse “deixa pra lá”.
Olhei o relógio e novamente a mesma revista que estava por cima da pilha. Levantei da poltrona e fui à janela. De novo à poltrona. E novamente à janela, ela saia de um carro diferente. Não era nenhum de nossos amigos. Não vi a cara do sujeito, nem anotei a placa. Sentei passivo no meu lugar na sala e esperei que entrasse como faz sempre. Ouvi seus passos decididos e assustei-me. Lamentei pelas ligações que meu cérebro realizava. Ela abriu a porta e mastigava frases num tom liberto que não apontavam necessariamente para mim. Recuei meu senso de idoso e calei-me no mesmo lado da cama.
Ao invés do sofá escolhi esperá-la na portaria de nosso prédio com a chave do carro na mão sugerindo um jantar diferente. Senti que fazia exatamente a coisa certa e que ela se orgulharia de nosso casamento. Usei meu melhor perfume e coloquei a camisa que ela sempre elogia. Conferi as unhas e o brilho da aliança. Fui pra mais perto do carro visto que este era o exato momento que ela costuma chegar. Todos os dias religiosamente neste horário. Todos os dias tenho tempo de chegar primeiro e descansar a mente. Qualquer clima não resistiria à tamanha surpresa e eu me animava e sustentaria aquele clima por muito tempo se não fosse seus nada rotineiros quarenta e cinco minutos de atraso.